Sof 229d-231c: Esta obra não é do filósofo socrático?

Estrangeiro – Quer parecer-me que neste ponto ela é divisível.

Teeteto – Onde?

Estrangeiro – No ensino pelo discurso, ao que parece, há um trecho mais áspero e outro mais liso.

Teeteto – E que qualificativo Ihes daremos?

Estrangeiro – Um deles é o método vetusto e venerável que nossos pais geralmente seguiam na educação dos filhos, e que ainda hoje muitos adotam quando os veem cometer alguma falta, misto moderado de reprimenda e advertência, e que no todo poderia ser chamado exortação.

Teeteto – Isso mesmo.

Estrangeiro – Por outro lado, depois de maduras reflexões, há os que opinam que toda ignorância é involuntária e que nenhum dos que se julgam sábios se dispõe a aprender seja o que for daquilo em que se considera forte. Assim, com todo seu trabalho, o método educativo pela admoestação alcança resultados medíocres.

Teeteto – Pois têm razão de pensar dessa maneira.

Estrangeiro – Daí, adotarem outro processo para se livrarem de semelhante presunção.

Teeteto – Qual é?

Estrangeiro – Formulam uma série de perguntas sobre assunto em que o interlocutor pensa responder com vantagem, quando a verdade é que não diz coisa com coisa; depois, aproveitando-se de sua desorientação lhe rebatem facilmente as opiniões, que eles amontoam na crítica a que as submetem e, confrontando umas com as outras, mostram como se contradizem sobre os mesmos objetos em idênticas relações e igual sentido. Os que se veem assim confundidos, acabam por desgostar-se de si próprios e passam a mostrar-se mais dóceis com relação aos outros; isso os livra do exagerado conceito que faziam deles mesmos, o que, de todas as liberações, é a mais agradável de se ouvir e a de melhor efeito para o interessado. O que se dá, meu caro menino, é que esses purificadores pensam exatamente como os médicos do corpo, os quais acreditam que o corpo não tira benefício algum dos alimentos sem primeiro remover alguém o que o perturba. O mesmo pensam aqueles a respeito da alma, que não pode colher vantagem dos ensinamentos ministrados, enquanto não for submetida a crítica rigorosa e a refutação não a fizer enrubescer de vergonha, com livrá-la das falsas opiniões que servem de obstáculo ao conhecimento e, assim purificada, levá-la à convicção de que só sabe o que realmente sabe, nada mais do que isso.

Teeteto – Sem dúvida; essa é a melhor e mais sábia disposição.

Estrangeiro – Por isso mesmo, Teeteto, devemos dizer que a refutação é a maior e mais eficiente purificação, sendo forçoso concluir que o indivíduo que se eximir a esse processo, ainda mesmo que se trate do grande Rei, é impuro no mais alto grau, ignorante e deformado naquilo em que deveria mostrar-se mais extreme e mais belo, caso queira alcançar a verdadeira felicidade.

Teeteto – Perfeitamente.

Estrangeiro – E então? E os que praticam semelhante arte, como os denominaremos? Eu, de mim, tenho medo de considerá-los sofistas.

Teeteto – Por quê?

Estrangeiro – Para não lhes conferir demasiada honra.

Teeteto – Mas a descrição se parece maravilhosamente com eles.

Estrangeiro – Como o lobo se parece com o cão, o animal mais selvagem com o mais manso. Quem é precavido emprega com cautela semelhantes comparações; é gênero escorregadio. Mas, que fique. Quero crer que não suscitaremos conflitos por pequena diferença de palavras, se sempre os mantivermos sob vigilância severa.

Teeteto – Com toda a probabilidade.

Estrangeiro – Destaquemos, então, da arte de se parar a de purificar; da de purificar, a parte que se relaciona com a alma; desta a do ensino, e da do ensino a arte da educação. Na arte da educação, conforme já vimos de relance, a refutação das vãs ostentações de sabedoria nada mais é do que a sofística de nobre nascimento.

Teeteto – Façamos isso mesmo. Mas, em virtude de já se nos ter ela apresentado sob tantos aspectos, confesso-me em dificuldade para formular com verdade e segurança a definição certa do sofista.

Estrangeiro – Compreendo que te encontres em dificuldade. Mas teremos de admitir que ele, também, não estará menos atrapalhado para achar maneira de escapar de nossa argumentação. E muito certo o ditado: Não é fácil fugir de tudo. Por isso, apertemo-lo até o fim.

Teeteto – Falaste bem.