Sof 237b-239b: Impossibilidade de atribuir o Não-ser

Estrangeiro – Sem intenção de brigar nem de pilheriar, mas se algum dos ouvintes se visse na contingência de refletir a que se deve aplicar a expressão Não-ser, teremos de acreditar que ele saberia indicar o objeto adequado e mostrá-lo ao seu interlocutor?

Teeteto – Para um espírito como o meu, trata-se de uma pergunta difícil e quase impossível de responder.

Estrangeiro – Porém uma coisa é certa: que não podemos atribuir o não-ser a nenhum ser.

Teeteto – Como fora possível?

Estrangeiro – E se não podemos atribuí-lo ao ser, também não poderemos relacioná-lo com coisa alguma.

Teeteto – Como assim?

Estrangeiro – É evidente para todos nós, que ao empregarmos a expressão Alguma coisa, sempre nos referimos a um ser, pois seu emprego isolado e, por assim dizer, nu e despido de todo o ser, é absolutamente impossível. Ou não?

Teeteto – Impossível.

Estrangeiro – Tua anuência implica reconhecer que sempre que alguém diz alguma coisa, refere-se a um determinado objeto?

Teeteto – Isso mesmo.

Estrangeiro – Alguma coisa, dirás, é expressão de unidade, como Ambas as coisas, a de dual, e Várias coisas, a de objetos no plural.

Teeteto – Exato.

Estrangeiro – Porém, ao que parece, quem não diz alguma coisa, por força não dirá nada.

Teeteto – Sim, de toda a necessidade.

Estrangeiro – Então, nem mesmo devemos conceder que semelhante indivíduo fale, porém não diga nada. Não; o certo será dizer que ele não fala quando se dispõe a enunciar o não-ser.

Teeteto – Seria a única maneira de solucionar essa questão intricada.