Estrangeiro – Bem lembrado. Porém passemos a considerar o que será preciso fazer com o sofista. Se insistirmos em procurá-lo na classe dos falsos obreiros e charlatães, bem vês como as dificuldades e as objeções nos surgem aos montes.
Teeteto – Sem dúvida; em grande quantidade, mesmo.
Estrangeiro – E note-se que só nos ocupamos com uma parte mínima, porque elas são, a bem dizer, infinitas.
Teeteto – Se é assim, nunca apanharemos o sofista.
Estrangeiro – Como! Vamos desistir do nosso propósito, só por comodidade?
Teeteto – Não por minha causa, enquanto houver um pingo de possibilidade de segurar nosso homem.
Estrangeiro – Pelo que declaraste agora mesmo, mostrar-te-ás indulgente, e até satisfeito, se conseguirmos afrouxar um pouquinho a pressão desse argumento tão obstinado?
Teeteto – Como não mostrar-me?
Estrangeiro – .Porém ainda quero fazer-te outro pedido.
Teeteto – Qual será?
Estrangeiro – Não me teres na conta de parricida.
Teeteto – Como assim?
Estrangeiro – Por nos vermos forçados, para defender-nos, a pôr à prova a tese de nosso pai Parmênides e arrancar a conclusão de que, seja como for, o não-ser existe, e que o ser, por sua vez, de algum modo não existe.
Teeteto – Evidentemente, essa é a tese que precisamos debater em nossa discussão.
Estrangeiro – Sim, até um cego, por assim dizer, fora capaz de enxergar isso, pois, a menos que a aceite ou a refute, ninguém poderá falar de discursos ou opiniões falsas, ou de simulacros e de imagens, de imitações e de aparências, nem das respectivas artes, sem cometer o ridículo de cair nas mais grosseiras contradições.
Teeteto – É muito certo o que dizes.
Estrangeiro – Por isso, precisamos ter a coragem de refutar desde já a tese paterna, ou, no caso de termos escrúpulo, abandonar definitivamente o assunto.
Teeteto – Nada nos impede de proceder dessa maneira
Estrangeiro – Então, pela terceira vez vou apresentar-te uma perguntazinha.
Teeteto – Bastará falares.
Estrangeiro – Disse há pouco que me considero absolutamente inapto para semelhantes refutações, o que se comprovou agora mesmo.
Teeteto – Sim, já o disseste.
Estrangeiro – Depois de confissão tão franca, receio que me chames de louco por tomar posição diametralmente oposta. Só para ser-te agradável, tentemos refutar a proposição, se é que conseguiremos nosso intento.
Teeteto – De minha parte, não receies nenhum reparo, se te abalançares a coligir provas para o debate. Cria coragem, pois, e principia.