Sof 251e-252d: Crítica da tese da incomunicabilidade das essências

Estrangeiro – Então, para começar, caso estejas de acordo, admitamos haverem eles afirmado que nada tem o poder de comunicar-se de qualquer maneira seja com o que for. Nessa hipótese, o repouso e o movimento não participarão, em absoluto, do ser.

Teeteto – Não, evidentemente.

Estrangeiro – Mas, como! Qualquer deles poderá existir, se não participar do ser?

Teeteto – Não é possível.

Estrangeiro – A consequência imediata dessa primeira concessão, como parece, é tudo subverter: a doutrina dos que movimentam o todo e a dos que o imobilizam como um, e também a dos que admitem a distribuição dos seres em ideias imutáveis e eternas. Todos acrescentam às coisas a noção do ser, com afirmarem alguns que elas são realmente móveis, e outros, que estão, de fato, em repouso.

Teeteto – É evidente.

Estrangeiro – O mesmo se passa com os que ora unem o todo ora o separam, seja reduzindo à unidade a infinitude, seja fazendo-a sair dela ou decompondo o Universo em número limitado de elementos, com os quais, depois, voltam a reconstruí-lo, pouco importando se consideram tais mudanças como sucessivas ou coexistentes. De qualquer jeito, se; não houver mistura, tudo o que disserem carecerá de sentido.

Teeteto – Exato.

Estrangeiro – Porém ao maior ridículo expõem sua própria tese os que chegam a ponto de não permitir que receba denominação diferente da sua a coisa que participa da qualidade de outra.

Teeteto – Como assim?

Estrangeiro – É que a todo instante se veem forçados a empregar expressões como Ser, À parte, Dos outros, Em si mesmo, e uma infinidade mais. Como não podem dispensá-las e são obrigados a entremeá-las em seus discursos, não precisam que os outros os refutem, pois levam consigo, como se diz, o inimigo e contraditor que por toda a parte eles carregam e que lhes fala de dentro deles mesmos, tal como fazia o famoso ventríloquo Euricles.

Teeteto – O símile é muito oportuno e verdadeiro.