Sof 253c-254d: A função da dialética e a Filosofia

Teeteto – Como não haver esse conhecimento, talvez mesmo o mais importante de todos?

Estrangeiro – E que nome lhe daremos, Teeteto? Por Zeus! Acaso, sem o querer, viemos bater no conhecimento do homem livre e, empenhados em encontrar o sofista, primeiro descobrimos o filósofo?

Teeteto – Que queres dizer com isso?

Estrangeiro – Dividir por gêneros e não tomar a ideia de um pela do outro, e o inverso, a deste pela daquele: não diremos ser esse, precisamente, o conhecimento dialético?

Teeteto – É o que diremos, sem dúvida.

Estrangeiro – Então, quem for capaz de distinguir uma ideia única numa multidão de ideias independentes, ou um sem-número de ideias diferentes entre si, porém abrangidas por outra mais ampla, e, de novo, uma ideia apenas que se estende por muitas outras e todas elas ligadas a uma unidade, e também muitas inteiramente isoladas ou separadas: eis o que se chama a arte de distinguir os gêneros, conforme a capacidade de se combinarem ou de não combinarem.

Teeteto – Perfeitamente.

Estrangeiro – Porém tenho certeza de que não atribuirás essa capacidade dialética senão a quem souber filosofar com pureza e justiça.

Teeteto – Como atribuí-la a mais alguém?

Estrangeiro – O filósofo, se bem o procurarmos, só nesta região é que poderemos encontrá-lo, agora e no futuro, conquanto não seja fácil distingui-lo. O sofista também; mas no seu caso a dificuldade é de outra espécie.

Teeteto – Como assim?

Estrangeiro – É que o sofista se acoita nas trevas do não-ser, com cuja convivência já se familiarizou. A escuridão do meio é que torna difícil reconhecê-lo. Não é isso mesmo?

Teeteto – Parece.

Estrangeiro – Quanto ao filósofo, com a razão sempre aplicada à ideia do ser, em virtude mesmo do excesso de luz, não é também fácil de perceber. A alma da maioria dos homens carece de olhos capazes de se fixarem nas coisas divinas.

Teeteto – Essa explicação é tão elucidativa como a precedente.

Estrangeiro – De futuro, com melhor disposição, estudaremos mais a fundo o filósofo. Quanto ao sofista, é claro que não abriremos mão dele antes de o examinarmos em todos os sentidos.

Teeteto – Muito bem.

Estrangeiro – E já que chegamos à conclusão de que alguns gêneros desejam comunicar-se entre si, outros não, alguns com poucos, outros com muitos, e uns tantos, ainda, por isso mesmo que em tudo penetram, nada encontram que os proíba de comunicar-se com todos, continuemos a desenvolver nosso argumento da seguinte maneira: em vez de considerar todas as ideias, a fim de não nos atrapalharmos em tamanha abundância, escolhamos apenas as de maior relevo, para inquirir, de início, sobre a natureza de cada uma, e depois acerca da capacidade de se comunicarem umas com as outras. Desse jeito, se não conseguirmos apreender o ser e o não-ser em toda sua clareza, pelo menos não deixaremos de chegar a uma explicação compatível com a índole de nossa investigação, o que nos facultará, no caso de conseguirmos concluir pela não existência do não-ser, retirarmo-nos sem maiores prejuízos.

Teeteto – Sim, façamos isso mesmo.