Sof 255b-256d: A noção de “Outro”

Estrangeiro – Porém vais concordar agora, me parece, que entre os seres alguns são considerados em si mesmos e outros sempre em suas relações recíprocas.

Teeteto – Como não?

Estrangeiro – Como o outro sempre está em relação com outro.

Teeteto – Certo.

Estrangeiro – O que não se daria, se o ser e o outro não se diferençassem ao máximo. Porque, se o outro participasse das duas ideias, tal como o ser, haveria, por vezes, algum outro que não se relacionasse com nenhum outro. Ora, o que se nos revelou de maneira certíssima foi que não pode haver outro a não ser em relação ,com outra coisa.

Teeteto – É exatamente como dizes.

Estrangeiro – Então, precisamos admitir a natureza do outro como a quinta ideia ao lado das que já aceitamos.

Teeteto – Certo.

Estrangeiro – Ideia essa, é o que diremos, que penetra em todas as outras, pois cada uma em separado é diferente das demais, não por sua própria natureza mas por participar da ideia do outro.

Teeteto – Perfeitamente.

O Hospede – Então, recapitulemos tudo isso a respeito das cinco, isoladamente consideradas.

Teeteto – Como será?

Estrangeiro – Comecemos pelo movimento, que é de todo em todo diferente do repouso. Ou como diremos?

Teeteto – Isso mesmo.

Estrangeiro – Logo, não é repouso

Teeteto – De jeito nenhum.

Estrangeiro – No entanto, é o que terá de ser, por participar da existência.

Teeteto – Sem dúvida.

Estrangeiro – Por outro lado, o movimento é diferente do mesmo.

Teeteto – Pode ser.

Estrangeiro – Não sendo, por conseguinte, o mesmo .

Teeteto – Não.

Estrangeiro – Porém já vimos que ele era o mesmo consigo mesmo, porque tudo participa do mesmo.

Teeteto – Certíssimo.

Estrangeiro – Logo, o movimento é o mesmo e não é o mesmo: eis o que seremos obrigados a admitir, sem nos amofinarmos muito com esse fato. Quando dizemos que ele é o mesmo, pretendemos significar que nele próprio ele participa do mesmo; e ao declarar que não é o mesmo, queremos dizer, pelo contrário, que assim é por causa de sua comunhão com o outro, a qual o leva a separar-se do mesmo, deixando-o não como o mesmo mas como outro; de onde vem que, mais uma vez e a rigor ele não poderá ser denominado o mesmo.

Teeteto – Perfeitamente.

Estrangeiro – Donde fica certo que se o movimento participa, de algum modo, do repouso, não será absolutamente descabido denominá-lo estável.

Teeteto – Sim, estará certo, se admitirmos que alguns gêneros consentem em misturar-se, e outros não.

Estrangeiro – Pois foi essa mesma prova que já apresentamos, antes de chegarmos até aqui e demonstrarmos que, por natureza, terá de ser desse jeito.

Teeteto – Sem dúvida.

Estrangeiro – Recapitulemos: o movimento é outro que não o outro, como é também outro que não o mesmo e o repouso?

Teeteto – Forçosamente.

Estrangeiro – Logo, de algum modo, não será outro, como também o será, de acordo com o presente raciocínio.

Teeteto – É muito certo.

Estrangeiro – E depois? Diremos que ele é diferente dos três primeiros, porém não diferente do quarto, se concordarmos que são cinco os gêneros que nos dispusemos a examinar?

Teeteto – De que jeito? Não podemos admitir um número menor do que o encontrado antes.

Estrangeiro – Sem medo algum, portanto, e com a máxima energia afirmemos que o movimento é outro que não o ser.

Teeteto – Sim, sem medo nenhum.