Estrangeiro – Não percebeste que com nossa rebeldia ultrapassamos de muito a proibição de Parmênides?
Teeteto – Como assim?
Estrangeiro – Violamos o limite por ele interditado, e em nossa investigação lhe mostramos mais coisas do que o que ele próprio admitira.
Teeteto – De que jeito?
Estrangeiro – Algures ele diz:
Nunca possível ser-te-á compreender que o não-ser possa ser
Desse caminho conserva afastado o intelecto curioso.
Teeteto – Sim, foi isso mesmo que ele disse.
Estrangeiro – porém nós, não apenas demonstramos que o não –ser existe, como revelamos a forma de ser que o não-ser reveste. Provamos, ainda, que existe a natureza do outro e que ela se subdivide ao infinito nas relações recíprocas dos seres, depois do que nos aventuramos a afirmar que cada parte do outro que se opõe ao ser precisamente o não-ser.
Teeteto – Estou convencido, Estrangeiro, de que essa exposição foi muito bem conduzida.
Estrangeiro – Porém ninguém venha objetar-nos que é por havermos apresentado o não-ser como o contrário do ser que nos atrevemos a dizer que ele existe. Há muito dissemos adeus às pesquisas sobre qualquer contrário do ser, no sentido de sabermos se existe ou não existe, se é definível ou avesso a toda explicação. Quanto ao que acabamos de afirmar a respeito do não- ser, ou nos prove alguém que tudo aquilo está errado, ou, enquanto não puder fazê-lo, diga conosco que os gêneros se misturam uns com os outros e que o ser e o outro penetram em todos e se interpenetram reciproca- mente, e que o outro, por participar do ser, existe pelo próprio fato dessa participação, sem ser aquilo de que ele participa, porém outro, e por ser outro que não o ser, é mais do que evidente que terá de ser não-ser. Por sua vez, o ser, por participar do outro, torna-se um gênero diferente dos outros gêneros, e por ser diferente de todos, não será nem cada um em particular nem todos eles em conjunto, mas apenas ele mesmo. A esse modo, não é possível absolutamente contestar que há milhares e milhares de coisas que o ser não é, e que os outros, por sua vez, ou isoladamente considerados ou em conjunto, de muitas maneiras são, como de muitas maneiras também não são.
Teeteto – É muito certo.