Sof 260b-263d: Lugar do Não-ser no juízo e no discurso

Estrangeiro – Se te dispuseres a acompanhar-me, talvez compreendas sem dificuldade.

Teeteto – De que jeito?

Estrangeiro – O não-ser se nos revelou como um gênero entre os demais, distribuído entre todos os seres.

Teeteto – Certo.

Estrangeiro – Passemos, então, a considerar se ele se mistura com a opinião e com o discurso.

Teeteto – Por quê?

Estrangeiro – Se não se misturar, a conclusão forçosa é que tudo é verdadeiro; misturando-se, torna-se possível haver opinião falsa e também discurso falso, pois pensar e dizer que não é: eis o que a meu ver, constitui falsidade no pensamento ou no discurso.

Teeteto – Isso mesmo.

Estrangeiro – Logo, se há falsidade, também há fraude.

Teeteto – Certo.

Estrangeiro – Ora, havendo fraude, forçosamente tudo terá de ficar cheio de simulacros, imagens e fantasias.

Teeteto – Como não?

Estrangeiro – Como dissemos, o sofista se refugiou nesta região, porém nega de pé junto que possa haver falsidade, por não ser possível conceber nem exprimir o não-ser; o não-ser não participa absolutamente da existência.

Teeteto – Isso mesmo.

Estrangeiro – Porém agora ele se nos revelou como participante do ser, o que talvez leve o sofista a não prosseguir na discussão desse ponto, limitando-se a declarar que só algumas espécies participam do não-ser, outras não, pertencendo os discursos e as opiniões à classe das que não participam. Daí negar com o maior empenho a existência daquela faculdade de criar .imagens e simulacros em que pretendemos confiná-lo, por não terem absolutamente comunicação com o ser, a opinião e o discurso; e uma vez que não há participação, não poderá haver falsidade. Por tudo isso, precisaremos, de início, investigar a fundo o que seja discurso, opinião e imaginação, para que, depois de conhecidos, possamos descobrir sua comunhão com o não-ser; uma vez esta patenteada, demonstrar que a falsidade existe, e, demonstrada sua existência, amarrar nela o sofista, no caso de merecer ele semelhante castigo, ou soltá-lo, para irmos procurá-lo noutro gênero.

Teeteto – Evidentemente, Estrangeiro, é muito certo tudo o que no começo dissemos a respeito do sofista: como caça, pertence a um gênero difícil de apanhar. Sabe cercar-se de toda espécie de problemas, outras tantas barreiras por detrás das quais ele se acolhe, que precisamos tomar de assalto para podermos chegar ao próprio homem. Agora mesmo, mal acabamos de galgar a primeira estacada de sua defesa, a da não existência do não-ser ele nos opõe outra, para obrigar-nos a provar a existência da falsidade, tanto nos discursos como nas opiniões, e depois desse decerto uma terceira e uma quarta, parecendo mesmo que nunca chegaremos ao fim.

Estrangeiro – É preciso coragem, Teeteto, sempre que se pode avançar, ainda que seja um pouquinho de cada vez. Quem desanimasse num caso desses, ante a escassez dos resultados, como se comportaria em conjunturas mais sérias, em que não assinalasse nenhum avanço ou mesmo fosse obrigado a recuar? Nesse passo como diz o provérbio, um tipo assim nunca tomará cidade alguma. Porém, agora, amigo, com superarmos a dificuldade que formulaste, caiu em nosso poder a principal trincheira; tudo o mais será fácil e carente de importância.

Teeteto – Dizes bem.