Excerto de SORABJI, Richard. SELF. Ancient and Modern Insights about Individuality, Life, and Death. Chicago: University of Chicago Press, 2006, p. 3-5.
No primeiro capítulo, digo o que quero dizer com “si mesmo”, por que precisamos pensar em termos de “si” e por que há tal coisa. Nossa necessidade não é prova de aí haver tal coisa, mas cria um ônus de refutação. Entrementes, o que estou postulando não é uma alma indetectável ou ego imaterial, mas um indivíduo corporificado cuja existência se vê plenamente. Esse indivíduo é algo que tem ou possui estados psicológicos, assim como tem ou possui um corpo e estados corporais. Também não é para ser pensado como uma essência. A ideia de si se aplica a humanos individuais e animais superiores. Cada um deles precisa se relacionar com o mundo em termos de eu e de novamente eu. Não poderíamos sobreviver sem nos ver nesses termos. Mas o indivíduo também pode ser referido a em outras pessoas como “tu”, “ele” ou “ela”. Estudar o si nesse sentido não é estudar o que é ser um humano em geral, embora se não houvesse humanos e animais superiores, não haveria si mesmos. É olhar para o indivíduo e a perspectiva que cada indivíduo deve tomar sobre ele mesmo.
Tem havido muita oposição à ideia de si, mas muitas vezes a oposição acaba sendo uma ideia filosófica particular de si como algo desencorporado e indetectável, como uma alma ou um ego cartesiano. Mas essa é apenas uma concepção do si. Muitos negaram que exista algo como o si, em parte por causa de seu desagrado por uma concepção particular. Mas não me concentro nas denegações, mas em dar uma explicação positiva. Considero apenas uma denegação em detalhes, a ideia de que existe apenas um fluxo corporificado de consciência e de que não há nada que tenha a consciência, nenhum possuidor dela, exceto como uma mera maneira de falar. Descrevo no capítulo um por que não consegui nem sobreviver à infância ou desenvolver na direção de poder aprender a linguagem, se já não visse o mundo em termos de sua relação comigo como possuidor de propriedades, incluindo eventualmente propriedades psicológicas. Mas adio para os capítulos quinze e dezesseis a consideração da visão rival de que tudo o que é necessário é a ideia de um fluxo corporificado de consciência, com “posse” como mero modo de falar. E discuto nos capítulos sete, quinze e dezesseis tentativas de substituir a ideia de localização pela de posse.
Dado o que quero dizer com “si”, há uma filosofia antiga do si? Argumento no capítulo dois que há, porque, ao contrário do que às vezes está implícito, havia uma intensa preocupação entre os filósofos antigos com a ideia de eu e de novamente eu. Isso não quer dizer que todos os filósofos antigos tenham a mesma resposta que a minha, ou entre eles, sobre o que esse si consiste. Alguns deles realmente pensaram em termos de um indivíduo corporificado, mas outros privilegiaram algum aspecto do indivíduo corporificado, como particularmente merecedor de ser chamado de si mesmo. Os platonistas estavam mais longe visão que recomendei. Eles tendiam a postular a razão ou o intelecto como algo que poderia existir sem corpo, e que provia a essência de uma pessoa, e alguns deles falavam como se, em vez de haver um sujeito, ou seja, a pessoa individual com vários aspectos, houvesse distintos sujeitos dentro de uma pessoa, diferentes níveis de alma, razão e intelecto, qualquer um dos quais podia constituir o si mesmo dessa pessoa. A tradição platônica, por sua vez, pode ter encorajado algumas das concepções posteriores do si como desencorporado e indetectável, que tornaram a ideia suspeita entre muitos filósofos modernos.
Que as visões dos pensadores antigos eram visões sobre o si é, creio, claro tanto pelo seu intenso interesse pela primeira pessoa “eu” quanto pela luta para expressar a ideia de si, como fazemos, através do uso de pronomes e através do uso de palavras como o grego “autos” (mesmo), que em alguns contextos só fazem sentido se traduzidos como “si mesmo”. Tento despertar o interesse repetido na primeira pessoa, eu, dando mais de uma dúzia de exemplos de teorias antigas. Eu então uso esses exemplos para me opor à ideia de que o interesse nesse tipo de primeira pessoa da individualidade (selfhood) está ausente da filosofia grega antiga.
Mesmo assim, questões diferentes sobre o si mesmo tiveram datas de início diferentes no pensamento antigo, e distingo como algumas perguntas sobre o si foram levantadas mais cedo e outras depois.