Szlezák (2009:20-21) – ocultamento (apokryptesthai)

Há muito se reconhece que o peculiar modo de raciocínio de Sócrates, que leva ao resultado aparentemente absurdo de que todos sabem tudo e sempre já souberam tudo, só é compreensível se tem por pano de fundo a teoria da anamnese. O que não se reconheceu foi o significado desse dado para a imagem do filósofo que Platão desenha no Fedro: φιλόσοφος é aquele que “vem em socorro” de suas asserções para defendê-las e está em condições de sustentá-las por meio de τιμιώτφα, “coisas de maior valor”. No Eutidemo, essa diferença entre o conhecimento primariamente comunicado e o conhecimento retido em reserva, potencialmente pronto (diferença que constitui ο φιλόσοφος), é convertida em ação dramática. Sócrates, indagado mais a fundo por causa de sua condução do diálogo, poderia desenvolver a teoria da anamnese e da imortalidade da alma. Ele poderia remeter a coisas mais importantes que, para quem possui informação mais exata sobre a filosofia de Platão, estão perceptivelmente em segundo plano e das quais o leitor apenas do Eutidemo nada pode vislumbrar, pois elas não são citadas neste diálogo. Sócrates dispõe, portanto, de uma teoria que leva mais adiante, uma teoria fundamentadora, que ele aqui, com total intenção — por causa da falta de qualificação dos interlocutores —, não aplica.

Quem é então “o que mantém segredo” no Eutidemo? Para o escárnio irônico de Sócrates são naturalmente os irmãos Dionisidoro e Eutidemo, cuja pobreza e cujo vazio espirituais mostraram, passo a passo, que eles não têm nada que pudessem manter em segredo. E quem é ο φιλόσοφος desse diálogo? Para ele, que tem coisas mais significativas em segundo plano, para o “não sabedor” Sócrates insuspeito de reter alguma coisa, são os dois mestres da erística. A sarcástica comicidade do diálogo consiste no fato de que ο φιλόσοφος equipado de um saber que leva mais adiante, o filósofo que poderia, recorrendo a coisas melhores no sentido do Fedro, “vir em socorro” da tagarelice superficialmente absurda dessa conversa não o faz; ao contrário, pede aos adversários que o façam — os adversários que evidentemente não têm τιμιώτφα em segundo plano. E quando não atendem a esse pedido, porque não o podem, eles são sarcasticamente acusados de guardar segredo. O alvo do escárnio não é, portanto, a retenção intencional de conhecimentos mais profundos, mas exatamente a incapacidade de fazer isso.

Esse dado modifica radicalmente a situação do tema platônico do “oculta-mento”: quem até aqui acreditou poder pôr sarcasticamente de lado a concepção de uma limitação intencional da comunicação terá agora de reconhecer que não foi capaz de ler a ironia de Sócrates de modo suficientemente irônico.

O escárnio, no primeiro plano, contra os pobres-diabos Dionisidoro e Eutidemo não seria, tomado em si mesmo, comovente, seria de fato insignificante. Lido contra o pano de fundo correto, isto é, não tendo em vista apenas a teoria da anamnese, mas também e sobretudo a imagem do filósofo na parte final do Fedro, ele torna novamente aguda toda a questão do “esoterismo” platônico.

Mas para isso é necessária uma nova interpretação do pouco lido diálogo Eutidemo? Os textos do Fedro e da Carta VII, familiares a todos, não dizem claramente que o dialético não confiará sua seriedade filosófica à escrita e que não há nenhum escrito (σύγγραμμα) de Platão sobre aquilo que lhe era verdadeiramente sério? Justamente os diálogos mais importantes, em passagens centrais, não dizem que a questão decisiva não deve ser perseguida “agora”?

Certamente é assim, mas a filologia platônica atual — que tem nessa questão a aprovação da interpretação filosófica de Platão — dispõe de um arsenal de argumentos para contornar essas autodeclarações dos escritos platônicos e invertê-las em seu oposto. A simples afirmação de Platão de que não há nenhum escrito seu a respeito das coisas decisivas para ele significa, na interpretação platônica dominante, que não há nenhum escrito doutrinário sistemático dele a respeito (mas há certamente outros escritos, justamente os diálogos). A precisa declaração de que o filósofo não confiará sua “seriedade” à escrita, pois o que é escrito é indefeso contra mal-entendidos e críticas e não sabe se “socorrer”, significa para o leitor moderno que o filósofo certamente confiará sua “seriedade” a um determinado tipo de escrita, o diálogo, pois o diálogo escrito se diferencia de outros tipos de escritura pelo fato de saber muito bem “auxiliar” a si mesmo. A asserção de Sócrates de que ele deixa de lado muita coisa que teria a dizer sobre o bem converte-se, para o intérprete moderno, na profunda compreensão de que realmente não se pode dizer sobre o bem mais do que está dito. E a insistência de Platão no caminho “mais longo”, “mais divino” em comparação com a obra escrita e que o dialético deve percorrer é imediatamente registrada como visão não obrigante do pensador Platão, o qual, por princípio, não se deixa fixar, como visão do pensador existencialmente “aberto”.

SZLEZÁK, T. A. Platão e a Escritura da Filosofia. São Paulo: Loyola, 2009.
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