Heidegger
(…) Seria bom afastar desde o início desta preleção as conotações teológicas do pensamento originário e, com isso, a opinião de que a teologia determinou o início da filosofia. Pois os deuses e o divino da Antiguidade grega não se prestam a uma teologia, mesmo quando se toma o termo em sentido amplo e não apenas como explicação racional e ordenamento da doutrina de uma “religião” dada. Não existe, absolutamente, “religião” grega. A palavra religio e o que ela designa são essencialmente romanos. Por não existir nenhuma “religião” grega, também não existe nenhuma “teologia” grega.
(HEIDEGGER, Martin. Heráclito. A origem do pensamento ocidental Lógica. A doutrina heraclítica do lógos. Tr. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 28-29)
Notions philosophiques
theología, theologiké: 1) relatos sobre os deuses, mito, 2) «filosofia primeira», metafísica
É em Platão (República II 379 a 5) que se encontra pela primeira vez o termo theologia, na condição todavia de não seguir o corretor do manuscrito T que substituiu theologia (a única ocorrência deste termo em toda obra de Platão) por mythologia. O incidente é revelador, pois indica bem que, em Platão, theologia devia ter um sentido vizinho de mythologia, termo associado a poiesis e que manifesta estas duas ideias: aquela de fabricação e de relato de mitos particulares, e aquela de investigação sobre o que contam os mitos em seu conjunto. Por sua parte na Met. A 1, Aristóteles separa as ciências teoréticas em três classes: matemáticas, físicas e teológicas: a terceira, aquela que trata das substâncias separadas e imóveis, é a “teologia primeira”. Em seguida a teologia abarca todo discurso sobre os deuses: donde a divisão da teologia em mítica, física e política, uma divisão que encontra sua origem nos estoicos como testemunha Agostinho de Hipona (Cidade De Deus VI 5). (Notions philosophiques)
Peters
1. Theologia aparece pela primeira vez em Platão e o termo é usado tanto por ele (Republica 379a) como por Aristóteles (Metafísica 1000a-1071b) para designar a atividade dos poetas que fizeram relatos cosmogônicos. Aristóteles, em particular, usa-o em contraste com as especulações filosóficas dos physikoi (v. g. Metafísica 1075b); com efeito, é paralelo à distinção entre mythos e logos (qq. v.).
2. Na Metafísica 1026a surge um significado nitidamente distinto. Aristóteles dividira as ciências teoréticas em três classes, das quais a terceira trata das substâncias que são «separadas» (para este sentido ver choriston) e sem kinesis; esta é a «filosofia primeira» ou theologiké, assim chamada porque tais substâncias são o reino da divindade (para outra posição sobre o assunto base da theologiké, ver on).
3. Posteriormente, a teologia expandiu-se para, uma vez mais, abarcar todo o discurso sobre os deuses e esta nova compreensão do seu alcance pode ver-se na divisão da teologia em «mítica, física e política», divisão que tem origem na Stoa Média (ver Agostinho, De civ. Dei VI, 5, citando Varrão; confrontar ibid. IV, 27 e Eusébio, Praep. Evang. IV, 1). (Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters)