Excertos do livro de Gaston Maire, “Platon”, trad. para português de Rui Pacheco.
No período que se seguiu a este processo (v. path:/3202|Encontro com Sócrates), que exerceria sobre a orientação da sua vida e pensamento a influência decisiva que tentaremos extrair ulteriormente, Platão, ausente do último encontro do Mestre — assim o relata no início do Fédon —, retirou-se durante algum tempo, com alguns dos seus amigos, para Mégara, cidade próxima de Atenas, onde sabia poder encontrar um refúgio seguro. Esta estadia foi provavelmente de pouca duração: pertencendo à classe dos Cavaleiros, Platão teve de responder a convocações militares e admite-se geralmente a sua participação na batalha de Corinto, onde os Espartanos infligiram uma derrota aos Atenienses aliados aos Tebanos (394). Há quem se perca em conjecturas sobre as suas ocupações durante os poucos anos que se seguiram. Talvez tenha empreendido — o que alguns contestam — uma longa viagem que o conduziu ao Egito, viagem essa que era então frequentemente realizada pelos Gregos; parece ter pago o transporte e a estadia com o produto da venda, no mercado, de uma carga de óleo proveniente dos seus próprios campos de oliveiras. Daí, teria passado por Cirene, onde teria encontrado filósofos pertencentes ao círculo dos pequenos socráticos, nomeadamente Aristipo e Cleômbroto, assim como o matemático Teodoro, que pode ter influenciado a formação do seu pensamento, pois ele será um dos atores do Teeteto, em que será designado por «geômetra»; não esqueçamos o rico Aníceris, discípulo de Aristipo, de quem falaremos mais à frente!… Para a continuação da viagem, duas hipóteses são avançadas: segundo uns, nomeadamente Plutarco, Platão teria regressado a Atenas, passando por Delos (o que permite atribuir-lhe a solução do «problema de Delos» ou problema da «duplicação do cubo»); segundo outros, teria ido do Egito para a Itália meridional, para aí se encontrar com os membros da Escola pitagórica, nomeadamente Árquitas, que era, em Tarento, o chefe de um governo de inspiração filosófico-mística; há ainda quem acrescente ter ele próprio procurado textos esotéricos, circulando secretamente nos meios iniciados, que teriam sido utilizados a seguir no Timeu, suposição de todo gratuita e que deve ser arquivada no dossier dos relatórios difíceis de determinar do Platonismo e do Pitagorismo! Acrescentemos que outros biógrafos contestam a viagem ao Egito e reportam para alturas de 388, quer dizer, no quadragésimo ano da vida de Platão, a primeira viagem à Sicília, o que concorda com o texto da path:/Carta-VII|Carta VII (324 a)… No período compreendido entre a permanência em Mégara e as hipotéticas viagens que se lhe teriam seguido, Platão compõe os primeiros diálogos, que seriam, adotando uma ordem considerada atualmente como provável: Hípias menor, Alcibíades, Apologia de Sócrates, Eutífron, Críton, Hípias maior, Cármides, Laques, Lísias, Protágoras, Górgias e Ménon.
Em 388, portanto, Platão vai para a Sicília, convidado pelo tirano de Siracusa, Dionísio o Antigo, que, depois de ter restabelecido a ordem contra os inimigos do exterior e contra as facções do interior, derrubou a democracia e estabeleceu o seu poder pessoal. Depressa se sente pouco à vontade na atmosfera dissoluta da corte de Dionísio; no entanto a decepção ressentida é compensada pelo prazer que experimenta por frequentar Díon, o jovem cunhado de Dionísio, cujo gosto pela filosofia, vivacidade de espírito, penetração e ardor — superiores às de todos os jovens que teve ocasião de encontrar posteriormente, dirá a Carta VII — permitem as maiores esperanças. Mas a situação degradou-se de forma bastante rápida, quer por a amizade recíproca de Platão e Díon haver despertado a desconfiança de Dionísio, quer por os conselhos e as críticas de Platão o terem importunado, quer ainda, mais simplesmente, por haver pretendido atingir o Ateniense, considerado indesejável depois dos incidentes provocados por Lísias contra a delegação de Siracusa durante os Jogos Olímpicos de 388 e durante os quais a tenda do irmão de Dionísio, Teárides, fora pilhada. Platão foi forçado a embarcar num navio espartano e desembarcou, intencional ou acidentalmente — depois de uma tempestade—, na ilha de Égina, então em guerra com Atenas; escapou à justa da pena de morte: segundo uns, tendo comparecido perante a Assembleia, foi perdoado ironicamente sob o pretexto de que era filósofo; segundo outros, impressionados pelo seu autodomínio e pela serenidade face ao perigo, os membros, desta Assembleia comutam a pena capital em decisão de o pôr à venda como prisioneiro de guerra, quer dizer, como escravo; foi então comprado pelo cirenaico Aníceris, de passagem por Égina, pela soma de vinte ou trinta minas.