1.2 Datação
Ao abordarmos a data de uma obra dramática, como são as de Platão, deveremos, antes de mais, ter em conta que este aspeto deve ser entendido sob dois pontos de vista: o da data dramática, isto é, a altura ou época a que se reporta a ação narrada; e, por outro lado, o da data real de composição, o mesmo que dizer quando foi realmente escrita a obra.
No que respeita à data dramática, e deixando, por enquanto, de parte os problemas que abordaremos na secção sobre a cronologia absoluta, o seu estabelecimento dependerá da escolha de uma de duas vias. Se considerarmos que Sócrates, em 17c, se refere à República quando alude ao discurso que tinha tido com aqueles intervenientes no dia anterior sobre o tipo de Estado que lhe parecia ser o melhor, então a data dramática do Timeu situar-se-á no dia a seguir à daquele outro diálogo, que, provavelmente, se desenvolvera por volta do ano 420 ou 421 a.C., durante as Bendideias, que se realizavam no mês de Thargeleion (Junho). Porém, se nos ativermos unicamente àquilo que diz o texto sobre este aspeto, a data apontada é um pouco diferente, pois, em 26e, Sócrates refere, ainda que de forma indireta, que aquele encontro se processa durante as Panateneias, que tradicionalmente se celebravam no 28º dia do mês de Hecatombeon, isto é em meados de Julho. Quanto ao ano, pensa-se que terá sido entre 430 e 425 a.C.; portanto, alguns anos antes da República.
Aquela associação com a República de que depende a primeira via carece de alguma consistência, podendo mesmo ser refutada convincentemente por mais do que uma ordem de razões. Nota muito bem Cornford que o “ontem” a que Sócrates se refere não tem forçosamente que ser o dia do encontro na casa de Céfalo, mas poderá ser um qualquer dia em que aqueles intervenientes tenham abordado algumas questões que na República são também discutidas, bem como a referência às Panateneias no diálogo não é de todo inocente, pois coaduna-se com o elogio de Crítias à vitória de Atenas sobre a Atlântida (20d-26c), bem como justifica a presença de Hermócrates (um estrangeiro) na cidade. Além disso, o resumo que Sócrates faz da dita conversa que tinham tido no dia anterior sobre o melhor Estado não inclui todos os assuntos tratados na República, mas somente os que respeitam aos livros II-V, deixando de parte os dos livros VI-VII, o que entra em contradição com o fato de aquele resumo incluir os assuntos principais. Ora, sabendo que a proposta de que tenha havido uma segunda edição da República é quase inconcebível, parece-nos que a identificação do “ontem” com a data dramática deste diálogo é muitíssimo forçada. Por outro lado, há que ter também em conta que Sócrates inclui todos os presentes (e até o quarto personagem que não chegou a participar) na dita conversa do dia anterior, ideia que torna ainda mais manifesta se atentarmos no fato de ser frequentemente utilizada a primeira pessoa do plural nos verbos que se referem a essa mesma conversa. Contudo, sabemos que nenhum dos participantes do Timeu, excepto Sócrates, participara na República. Deste modo, será porventura mais prudente optar pela segunda hipótese e estabelecer a data dramática na altura das Panateneias.
Quanto à data real de composição, cujo estabelecimento depende também das questões que abordaremos de seguida, a maioria dos estudiosos considera que se situará nos últimos anos da vida de Platão. Como veremos, essa parece ser a hipótese mais viável.