Falha (hamartia)
I. Os equivalentes gregos para “falta”, hamartia/hamartêma, assim como os verbos daí derivados indicam um amplo espectro semântico, desde a falha em alcançar um alvo no sentido literal (por exemplo, no tiro com arco: Teet. 194a; Híp. menor 375a-b), passando por erros moralmente irrelevantes (por exemplo, na brincadeira infantil: Teet. 146a), até o grave delito moral (por exemplo, roubo de templos, assassínio: Féd. 113e; Górg. 525c-d). A seguir trataremos da falha no sentido de um lapso eticamente relevante.
Platão salientou repetidas vezes que a falha no campo do conhecimento está em íntima relação com a falha na ação. A ignorância (amathia; ver ERRO) é tão reprovável justamente porque conduz resulta em ações errôneas. Inversamente, os elenchoi (ver ELENCHOS) almejam em última análise uma vida feliz (Apol. 38a; Sof. 230d-e). Precisamente nos diálogos iniciais, Platão parece partir da ideia de que o conhecimento sobre o que é correto já garante a ação correta (o assim chamado “intelectualismo ético”) e, inversamente, ações errôneas podem simplesmente ser explicadas com base na ignorância. Sem dúvida, para evitar erros na práxis basta uma OPINIÃO correta; mas as opiniões são instáveis — apenas quando são consolidadas como um SABER (epistêmê) elas podem ser um fundamento seguro para a conduta eticamente correta (Mên. 97b e 98a; cf. Rep. 413b; Tim. 51e). Assim, Alcibíades aprende que as faltas na ação se originam da ignorância, que crê saber (Alcib. 1 117d-118a; cf. também 134a; Cárm. 171-173). No Laques (199d-e) a virtude é realmente definida como o saber a respeito do bem e do mal (cf. Prot. 360c), e no Eutidemo (281 d-e) se diz sucintamente que apenas a sabedoria (sophia) é um bem, e apenas a ignorância (amathia) é um mal. Em conexão com o axioma de que ninguém gostaria de estar equivocado a respeito do verdadeiro (Rep. 382b) e de que o bem aparente não satisfaz a ninguém, mas todos fazem tudo por causa do bem verdadeiro, segue-se que ninguém age mal conscientemente, isto é, voluntariamente (por exemplo, Prot. 345e; Leis 861 d; assim também nos neoplatônicos; ver Plotino, Enéadas III.2[47].10, IV.8[6].3; Proclo, In Rem publicam 2, 355). Pois, por causar danos, o mal traz infelicidade; ninguém, porém, gostaria de ser infeliz. Quem faz o mal age assim porque o considera subjetivamente proveitoso, isto é, sob a aparência do bem. Visto que tal pessoa não o faria se soubesse que se trata de uma coisa objetivamente má, ela age nesse caso por arbítrio próprio, é inegável, mas não pelo que ela realmente quer (Górg. 467-468; Mên. 77b-78b; Leis 731c e 861d; cf. Ploti-no, Enéadas VI.8[6].3). Disso se segue, em primeiro lugar, que uma falha acarreta, ela mesma, sua própria punição, pois ela causa uma infelicidade objetiva, ainda que o indivíduo seja subjetivamente feliz (por exemplo, Górg. 472e; Teet. 176e-177a; Leis 728b), e, em segundo, que a maneira certa de lidar com os que cometem falha consiste, antes de tudo, na instrução e na admoestação (Apol. 26a). E também as leis não podem coagir como déspotas, mas instruir e persuadir (Leis 720-22 e 859a). [SCHÄFER]