Górgias 507a-507e — Vida sábia e vida dissoluta

Sócrates — Digo, portanto, que se a alma temperante é boa, a que for conformada por maneira contrária à dela, será má, a saber, insensata e desregrada. Perfeita mente, O indivíduo temperante só faz o que é direito, tanto em relação aos deuses como aos homens, pois deixaria de ser temperante se procedesse de outro modo. Necessariamente será assim. Porém, fazendo o que é direito com relação aos homens, procede com justiça, e, em relação aos deuses, com piedade. Ora, quem procede com justiça e piedade, forçosamente será justo e pio. E certo. E não terá de ser, da mesma forma, corajoso? Pois não é próprio do indivíduo temperante ir em pós do que não deve, sejam acontecimentos ou pessoas, prazeres ou trabalhos, que ele procurará ou evitará de ânimo firme, sempre, onde for o seu dever. Por tudo isso, Cálicles, é forçoso que o indivíduo temperante, sendo, como vemos, justo, corajoso e pio, seja protótipo da bondade; o homem bom fará bem e com perfeição tudo o que faz, e quem vive bem e feliz é bem-aventurado, ao passo que o indivíduo ruim, que vive mal, é miserável. O indivíduo nessas condições é o oposto, justamente, do temperante; é o intemperante, cujo elogio acabaste de fazer.

Isso, pelo menos, é o que afirmo, insistindo em que é a expressão da verdade. Sendo expressão da verdade, acrescentarei que quem quiser ser feliz terá de procurar a temperança e viver de acordo com ela, e de fugir da intemperança quanto nossas pernas o permitirem, esforçando-se, antes de tudo, por não vir nunca a ser castigado; porém, no caso de merecer castigo, ou ele mesmo ou qualquer dos seus familiares, particular ou da cidade, então faça-se justiça e seja castigado, se quisermos que seja feliz. A meu parecer, essa é a meta que devemos ter em vista para dirigirmos nossa vida, e tanto nos negócios particulares como nos públicos devemos envidar esforços para que impere a justiça e a temperança, se quisermos ser felizes, não permitindo que os apetites fiquem desenfreados nem procurando satisfazê-los, o que seria um mal imenso, verdadeira vida de bandoleiro.