Aristóteles

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Exposição elementar de alguns pontos de maior relevo na filosofia de Aristóteles, segundo E. P. Lamana, História da Filosofia, I (tr. cast. por Eudoro de Sousa), pp. 207 e segs.

O maior dos discípulos de Platão foi Aristóteles de Estagiro (384-322 a. C.), que iniciou sua reflexão partindo da crítica da teoria das ideias do seu Mestre. Para A. o ponto mais débil da doutrina é a separação estabelecida entre o mundo das ideias e o mundo sensível. A ideia deveria dar-nos a conhecer as coisas. Mas como, se ela já não é, como o era para Sócrates, a essência «intrínseca» das próprias coisas? Platão sobrepôs um mundo ao outro, projetando numa fantástica região hiperurânica o próprio mundo sensível, duplicando as coisas e agregando-lhes a qualificação «em si» (o homem em si, a grandeza em si, a beleza em si, etc.); mas duplicar as coisas não significa torná-las mais inteligíveis.

Nada vale para A. que Platão fale de «participação» das coisas nas ideias ou de que as coisas «imitam» as ideias eternas — palavras vazias ou metáforas poéticas, de que não resulta como nem porquê, uma vez dadas as ideias, possam existir as coisas; não resulta como as ideias — substâncias existentes por si, permanentes, imóveis e imutáveis — possam ser causas dos corpos sensíveis, da respectiva geração e corrupção. A ideia é princípio de fixidez e imobilidade, não de movimento e mutação. Além disso, a experiência mostra-nos que a ideia jamais intervém na geração das coisas; um indivíduo é produzido por outro indivíduo, o homem nasce do homem e não de um paradigma do homem em si.

Na realidade, Platão havia-se esforçado, na última fase de seu pensamento, por demonstrar, como o mundo inteligível podia ser a razão do real sensível. Por isso, enquanto, de um lado, havia introduzido no próprio mundo inteligível um princípio de atividade e movimento, a Inteligência de Deus, e da bondade do divino artífice tinha derivado a ordenação racional do mundo e sua organização segundo fins, por outro lado tratara de aproximar as ideias do devir, com princípios intermediários, como as almas e as figuras ou relações matemáticas. Talvez A. não tivesse apreciado convenientemente esta tentativa do Mestre, e não se advertisse daqueles traços da sua doutrina, que continham, pelo menos em germe, alguns conceitos que mais tarde ele pôde desenvolver.

Verdade é que o pensamento de Platão nunca conseguiu libertar-se, neste ponto, de obscuridades, incertezas e oscilações, e a invalidade de seus esforços evidenciara-se, precisamente, no que a A. mais urgia esclarecer: a ação imanente do inteligível sobre o sensível, a explicação do devir em multiplicidade e a mutação infinita das suas formas, o ser e a inteligibilidade da natureza em que vivemos. A finalidade que Platão instituíra na formação das coisas era uma finalidade imposta de fora, estranha às próprias coisas; isenta, portanto, de toda a necessidade racional, incapaz de explicar como a finalidade atua por dentro, nas coisas e se realiza através da própria causalidade mecânica. Por outro lado, a matéria, substrato do mundo sensível, era para Platão o irracional, o oposto da forma inteligível e em luta com ela. Como é possível, então, estabelecer, senão por arbítrio, uma conexão entre matéria e forma? Há que introduzir na própria matéria uma predisposição à forma, se não quisermos abrir um abismo intransponível. Finalmente, o princípio inteligível de determinação das coisas, imanente a elas, reduz-se, para Platão, a formas geométricas e a números, imagens do verdadeiro ser que é a ideia. Mas, para A., a matemática só se refere a abstrações e estas não podem representar o ser em sua concreção; os esquemas rígidos da matemática não nos proporcionam uma chave para explicar a vida, para compreender o desenvolvimento dos seres.

Concluindo: Platão estabelecera como motivo inicial de sua especulação o buscar na realidade um fundamento para a ciência, tal como Sócrates o havia determinado; e, precisamente, hipostasiando o conceito socrático, forjara um mundo ideal eterno que, em sua imutabilidade e perfeição, pudesse oferecer ao pensamento um refúgio seguro contra o incessante mudar das coisas sensíveis. Na solução do problema da realidade, Platão estava substancialmente orientado no sentido eleático; o seu ser era o de Parmênides, transfigurado à luz do conceito socrático. Pelo contrário, A., filho de médico e educado nos estudos naturalísticos, concentra imediatamente seu interesse especulativo, justamente sobre o mundo sensível; a natureza está constituída por seres em contínuo desenvolvimento, por seres que nascem, crescem, morrem e se reproduzem em outros seres semelhantes; esta é a realidade, a única realidade, o único objeto da ciência socrática. No próprio devir, e não em uma quimérica realidade transcendente, é que importa descobrir o ser que o torna inteligível.

Para A., trata-se de ver se o conceito socrático, a essência inteligível das coisas, se presta a ser considerado, não como uma forma estática, mas como um princípio dinâmico, uma força determinante do devir, imanente ao próprio devir. A. considera como certo que o perfeito deve preceder sempre o imperfeito; que o todo explica as partes, e não ao invés; que a natureza é dominada pela finalidade (no que concorda com Platão, contra o mecanicismo de Demócrito), mas a perfeição e o fim não estão fora da natureza, mas sim na própria natureza.

Em suma, para A., trata-se de reunir a dualidade platônica de inteligível e sensível, em uma única realidade, a realidade experienciável da Natureza. E o desenvolvimento é a caraterística essencial da natureza. A análise do conceito de desenvolvimento é a primeira missão da filosofia.

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