Górgias 508c-509a — Profissão de fé de Sócrates

Sócrates — Sendo tudo assim mesmo como disse, passemos a examinar os pontos de que me fazes carga, se tinhas ou não razão de afirmar que não me encontro em condições de socorrer nem a mim mesmo, nem aos amigos, nem aos familiares, ou de livrá-los dos grandes perigos, e que, no jeito dos indivíduos sem honra, estou à mercê de quem quiser fazer de mim o que bem lhe parecer, ou bater-me na cara — segundo tua vigorosa expressão —, privar-me dos bens e expulsar-me da cidade, ou fazer o pior, que é matar-me, e que semelhante situação é o que de mais vergonhoso se possa imaginar, conforme o que disseste. Minha opinião, pelo contrário, já bastantes vezes expendida, nada impede que eu torne a manifestá-la. Nego, Cálicles, que ser esbofeteado injustamente é o que haja de mais vergonhoso, ou cortarem-me os membros ou a bolsa. Não; baterem-me ou mutilarem-me injustamente, a mim e aos meus, é um mal nocivo e vergonhoso, tirarem o que tenho, escravizarem-me ou arrombarem minha propriedade, em resumo, qualquer malfeitoria praticada contra mim e os meus é pior e mais vergonhosa para quem a pratica do que para mim, que sou a vitima. Essas verdades, que se tornaram manifestas em nosso discurso anterior, como digo, estão firmes e chumbadas — se me for permitido usar uma expressão um tanto grosseira — por argumentos de ferro e diamante, como parece, e se não conseguires quebrá-los, tu ou alguém de mais decisão, não será possível empregar linguagem diferente da minha, que está certa. Do meu lado, continuo a afirmar a mesma coisa, que eu, de fato, não sei explicar, mas o certo é que nunca encontrei uma pessoa — como a ti neste momento — que falasse de outro modo sem cair no ridículo.