Zenão de Eleia

Nascido por volta de 489, Zenão deve ter atingido o florescimento em 460. Desempenhou provavelmente papel político de relevo na sua cidade, pois lutou contra o tirano Nearco. Teria escrito um Tratado da Natureza, algumas Disputas e uma Interpretação de Empédocles, que devia oonstituir uma diatribe contra o filósofo de Agrigento. Platão cita Zenão no Parmênides e no Fedro (261 d). Para Aristóteles, Zenão teria sido o pai da dialéctica1: tomava uma das hipóteses essenciais da tese do adversário e tirava conclusões contraditórias. Seja como for, Zenão de Eleia é célebre pelas aporias a que o seu nome anda ligado e que Aristóteles nos conservou2. O argumento é provavelmente dirigido contra os pitagóricos e a sua teoria do múltiplo. O objectivo de Zenão parece claro: trata-se de mostrar que a teoria pluralista é incapaz de explicar o movimento e que aqueles que criticam a ontologia de Parmênides manejam conceitos cujo sentido não compreendem3. As aporias de Zenão são em número de quatro:

a) A dicotomia.Aristóteles expõe-na deste modo: «A impossibilidade do movimento conclui-se do facto de o móbil transportado ter de atingir primeiro a metade, antes de chegar ao terminus.» Ou seja: o movimento é impensável, porque qualquer móbil deve deve atingir primeiro o meio do percurso, em seguida o meio do que falta percorrer e assim indefinidamente. Aproximar-se-á sem cessar do fim, mas nunca poderá atingi-lo.

b) Aquiles. — «O mais lento na corrida jamais será alcançado pelo mais rápido; porque o perseguidor deve começar sempre por atingir o ponto de onde o fugitivo partiu, de modo que o mais lento tem sempre algum avanço.» Ou seja: se organizarmos uma corrida entre Aquiles e uma tartaruga e dermos a Aquiles uma certa desvantagem, quando este chegar ao ponto T onde se encontrava a tartaruga no momento da partida, já esta lá não estará, mas em T”; quando Aquiles atingir T’, já a tartaruga aí não estará, mas em T”; em suma, não só Aquiles nunca ultrapassará a tartaruga como nunca a atingirá; mais não fará que aproximar-se dela indefinidamente4.

c) A flecha. — «A flecha, quando arremessada, está em estado de paragem. É a consequência da suposição de que o tempo se compõe de instantes.» Ou seja, uma coisa só pode estar em repouso quando ocupa um espaço igual ao seu volume. Ora, a flecha arremessada ocupa, em cada instante, um espaço igual ao seu volume. Está portanto em repouso. São conhecidos os versos de Valéry sobre este tema, em Le cimetière marin:

Zénon! Cruel Zénon! Zénon d’Élèe!
M’as-tu percé de cette flèche ailee
Qui vibre, vole, et qui ne vole pas!
Le son rnenfante et la flèche me tue!5

d) O estádio. — «O quarto raciocínio diz respeito a duas massas iguais, que se movem em sentido contrário no estádio, ao longo de outras massas iguais, umas partindo do fundo do estádio, outras do meio, a igual velocidade. A consequência pretendida é que a metade do tempo é igual ao seu dobro.»6 Ou seja: sejam os pontos A imóveis num estádio; se os C desfilam diante dos A, da direita para a esquerda, e os B desfilam diante dos A, da esquerda para a direita, B passará diante de 2A, mas passará também diante de 4C, no mesmo período de tempo, por isso 2 = 4!

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Em resumo, Parmênides tinha razão: o múltiplo e o movimento são impensáveis. Zenão propôs-se transformar em ridícula a posição dos que criticavam o pai do eleatismo. (Jean Brun, “Pré-Socráticos”)

VIDE: Pessoa : OS ARGUMENTOS DE ZENÃO DE ELEIA


  1. DIÓGENES LAÉRCIO, IX, 25, que cita uma obra perdida de ARISTÓTELES, O Sofista

  2. Cf. Física, VI, 9, 239, b 5. 

  3. Há imensa literatura consagrada às aporias de Zenão. Citemos entre os estudos principais: V. BROCHARD, Études de philosophie ancienne et de philosophie modeme, p. 3-59; LACHELIER, Oeuvres, t. II, p. I; A. KOYRÉ, Études d’histoire de la pensée philosophique (sur les deux dernières apories); HEGEL, Leçons sur l’histoire de la philosophie, trad., t. I; recordemos que Bergson, que não cessou de refletir no problema das relações do contínuo e do descontínuo, vê nas aporias de Zenão de Eleia o exemplo acabado do «mecanismo cinematográfico do pensamento» a que se opõe. 

  4. Como claramente mostrou Bergson, o erro de Zenão consiste em acreditar que a corrida AB se constitui de um somatório de corridas sucessivas. O raciocínio de Zenão seria correto se, de cada vez que Aquiles se encontra no ponto em que se encontrava a tartaruga na partida precedente, parássemos os corredores, para, em seguida, darmos o sinal de partida para uma outra corrida. Aquiles nunca atingiria a tartaruga porque, por mais curta que fosse a distância a percorrer, o tempo da corrida permitiria, mesmo assim, à tartaruga transpor outra distância. 

  5. Zenão! Cruel Zenão! Zenão de EIeia!/Tu me varaste com essa flecha alada/Que vibra, voa e que não voa!/O silvo me cria e a flecha me mata. 

  6. Utilizamos para exposição dos argumentos de Zenão a tradução da Física de Aristóteles por Henri CARTERON.