c) O «Fédon» e a metempsicose (80 e): Uma tradição órfico-pitagórica inspirou provavelmente este mito. As almas puras vão, depois da sua morte, passar o resto do tempo na companhia dos deuses; mas as almas impuras, pesarosas pelo corpo com o qual partilharam a sua existência ao serem escravas das exigências deste, vagueiam até ao momento em que encontram um corpo no qual se vão encarnar conforme os desejos que as animam. É assim que as almas dos comilões, dos bêbados e dos impudicos irão renascer no corpo de um burro; as dos ladrões e dos tiranos terão a forma de lobos, falcões e milhafres. Quanto àqueles cujas virtudes se exerceram na vida social e cívica, praticando a justiça e a temperança, a sua migração irá ser numa espécie de animal do gênero das abelhas, das vespas ou das formigas.
A alma do filósofo, esta, é «desligada» do corpo pela filosofia: «É uma coisa comum aos amigos do saber, que a sua alma, quando foi apanhada pela filosofia, estava completamente amarrada a um corpo e colada a este; esse corpo constituía para ela uma espécie de vedação através da qual tinha de supor as realidades em lugar de o fazer com os seus próprios meios e através de si própria; estava, no fundo, mergulhada numa ignorância absoluta. E o mais maravilhoso desse cárcere, a filosofia percebeu-o, é ser obra do desejo (epithymia) e que aquele que mais participa em reforçar as amarras do amarrado é talvez ele mesmo! Assim, digo, coisa que não ignoram os amigos do saber, que uma vez apanhadas as almas cuja condição é essa, a filosofia dá-lhes com doçura as suas razões; empreende a sua libertação, assinalando-lhes as ilusões de que está cheio um estudo que se faz por meio dos olhos, as ilusões por sua vez daquele que se faz por meio dos nossos ouvidos e dos nossos outros sentidos; convencendo-os ainda a libertarem-se disso, hesitarem em servir-se deles, a menos de alguma necessidade; recomendando-lhes por fim que se juntem, que se escolham sobre si próprias, e não se fiem em nada a não ser em si próprias» (82 d e seg.).