Baracat: Enéada III-6-1 Primeiras questões concernentes a passividade

Tradução em português de José Carlos Baracat Júnior

1. Dizendo que as sensações não são afecções, mas atividades e juízos sobre os afectos, uma vez que as afecções ocorrem em algo outro, tal como, digamos, o corpo determinado, ao passo que o juízo ocorre na alma e não é uma afecção – porque, nesse caso, seria preciso ocorrer outro juízo e remontar sempre até o infinito tínhamos também aqui a dificuldade, em nada menor, de se o juízo enquanto juízo não recebe nada do que é julgado. Ora, se recebe uma impressão, foi afectado. Contudo, era-nos possível dizer, também acerca das chamadas impressões, que seu modo é inteiramente distinto do que se supôs, mas similar ao que ocorre nas intelecções, que são também elas atividades capazes de conhecer sem serem afectadas de modo algum; em geral, nossa tese e nossa intenção eram não sujeitar a alma a modificações e alterações tais como os aquecimentos e esfriamentos dos corpos. Todavia, seria preciso observar a chamada parte afectiva da alma e examinar se admitiremos que também essa é imodificável ou se concederemos apenas a essa parte a possibilidade de ser afectada. Mas isso, depois, pois devemos examinar as dificuldades relativas às partes anteriores da alma.

Como, então, pode ser imodificável não só a parte anterior à afectiva, mas também a anterior à sensitiva e qualquer parte da alma em geral, se é nela em que se produzem o vício, as falsas opiniões e a ignorância? E também suas apropriações e aversões quando se compraz ou se entristece, se enfurece, tem inveja ou ciúme, quando deseja, enfim, quando não se mantém de modo algum em quietude, mas se move e altera com cada um dos incidentes. Ora, se a alma é um corpo e tem magnitude, não será fácil, ou melhor, será inteiramente impossível mostrar que ela é impassível e imodificável em qualquer uma das afecções que se diz nela ocorrerem; porém, se é uma essência sem magnitude e na qual deve estar presente também a incorruptibilídade, é preciso acautelarmo-nos contra atribuir a ela tais afecções, para que não nos passe desapercebido conceder que ela seja corruptível. Com efeito, como dissemos, seja sua essência número, seja razão, como pode uma afecção ocorrer em um número ou em uma razão? Antes, porém, deve-se pensar que o que sobrevém à alma são razões irracionais e afecções inafectáveis, e cada um desses fenômenos, transferidos do corpo para a alma, e transferidos por analogia, deve ser entendido paradoxalmente, ou seja, no sentido de que a alma os tem sem tê-los e os sofre sem sofrê-los. Devemos investigar de que modo são essas coisas.