Cada coisa pode ser considerada em três modos de ser: ou como aquilo que cada coisa é na sua natureza , sendo Deus que a produz ; ou como objecto no mundo e que utilizamos — feita por um artesão; ou no modo como o pintor retrata as coisas, apenas num dos seus aspectos, cristalizados pelo olhar momentâneo. Cada um destes «entendedores» de coisas produz três formas diferentes do ser de cada coisa. Havendo na sua essência uma mesma coisa que está à vista, há, por outro lado, diferentes modos de ela ser tida em vista, isto é, diferentes estruturações do mundo .
A natureza (physis) é o que mantém cada coisa naquilo mesmo que ela é ao longo e para além da sua subsistência. A partir da consideração da cama, enquanto um «produto» divino , percebe-se que as «outras» camas são apenas formas suas «derivadas», não sendo a cama pintada, na verdade, cama nenhuma. O pintor produz uma apresentação da cama que o carpinteiro materializa. Só Deus, tendo acesso ao aspecto essencial (eidos), à unidade de sentido que permite fazer a natureza da cama enquanto tal, é o verdadeiro «poeta» da cama que verdadeiramente é .
Estes três níveis diferentes de realidade são três estratos que se diferenciam entre si ontologicamente. Primeiro, aquele de que parte Deus e que corresponde ao plano do fabricante da natureza (physis), de um criador da própria natureza . Depois, o do carpinteiro (tekton), que é artesão, fabricante (demiourgos), da cama. Por fim, o do animador de coisas por esboços (zographos), que é um imitador daquilo do qual os primeiros são fabricantes . O pintor é um mero reprodutor daquilo do qual os outros são verdadeiramente fabricantes. É nessa medida que ele é um imitador reprodutor (mimetes), porquanto está a uma distância tripla da verdadeira produção da natureza . Esta perspectiva, que procura imitar o próprio ser de qualquer coisa, só a faz lembrar. Não é, portanto, nenhum acompanhamento da natureza própria de cada coisa, da sua verdade. É apenas uma cópia reprodutora.
O que cada um dos reprodutores «tenta imitar» não é «aquilo mesmo que é na sua natureza» , o aspecto (eidos) individual de cada uma destas realidades, mas antes os produtos dos artesãos . Estes são apresentados não naquilo mesmo que são, mas no modo da sua aparição . Ora, é precisamente esta diferenciação que tem de ser executada e compreendida, a saber, entre o aspecto que qualquer coisa assume quando nos surge e essa coisa mesma enquanto tal, ou seja, a imitação e a coisa imitada.
A nossa vida corresponde a uma posição meramente passiva, permitindo apenas, à partida, um acolhimento dos fantasmas das coisas, um acesso de «terceira geração» à natureza essencial (physis) de cada uma delas e de todas elas no seu todo. É verdade que essas aparições de alguma forma nos fazem lembrar a própria natureza delas, mas nós corremos o perigo de substituirmos cada coisa na sua autenticidade pelo modo inautêntico como ela nos surge, sem de facto a vermos face a face . Deste modo, a nossa vida assenta sobre uma perspectiva idêntica à dos pintores, uma vez que de cada coisa só temos o seu aspecto exterior. Uma coisa é sempre reproduzida e nunca dada a ver na sua verdadeira natureza , permanecendo a aparição e a verdade (aletheia) de cada coisa numa indistinção fundamental.