Acabados de ver a importância e a centralidade que o saber assume na primeira fase da reflexão platónica e o modo como ele se vincula à questão «o que é», quer como projecto determinado que assim se explicita, quer como, ele próprio, determinação fundante daquilo que é, resulta claro que o imperativo perguntar por «o que é» constitui o cerne mesmo da noção platónica de saber, na dupla acepção em que regista o próprio proceder que o distingue e em que esse proceder questionante representa já um responder ou um corresponder à natureza intrínseca do que se procura.
O «o que é», como pergunta e como resposta, como questão orientadora do saber e como sua caracterização última, assume pois uma absoluta radicalidade no pensamento platónico, radicalidade que não é só, como vimos, de exigência especulativa, mas também, e talvez principalmente, de coerência e de sentido para a vida.
Só que esta radicalidade da questão «o que é» funda-se, por sua vez, pelo menos na sua emergência expressa, na radicalidade da ignorância que a provoca. Pois que, se é certo que o perguntar «o que é» não assinala um método entre outros, mas o procedimento necessário e único dum saber que se busca e que não afecta apenas o pensar, assim abstraído daquilo em que se radica, mas a própria vida, na sua imediata carência de sentido e de valor ontológico, uma tal radicalidade advém de uma inaugural tomada de consciência de um não-saber que é não saber o que é e do coincidente reconhecimento de que não saber isso é não saber nada, pois que sem isso nada se sabe e nada se é.