Pré-Socráticos

Excertos de Emmanuel Carneiro Leão, “O pensamento originário”

Pensamento Originário é o título de um questionamento que procura pensar o pensamento dos primeiros pensadores gregos. Tales, Anaximandro e Anaxímenes, Zenão e Xenófanes, Heráclito e Parmênides viveram aproximadamente entre os fins do século VII e os meados do século V antes de Cristo.

Já foram intitulados de Pré-aristotélicos, Pré-platônicos e Pré-socráticos. Sob a correção cronológica do prefixo, pré-, se escamoteia uma perplexidade de pensamento. Em Sócrates, Platão e Aristóteles se inaugura uma de-cisão Histórica. A decisão das diferenças que, sendo já em si mesma metafísica, instala o domínio da filosofia em toda a História do Ocidente.

Trata-se de uma de-cisão que vive da perplexidade em pensar a identidade como identidade e não como igualdade, isto é, que vive da dificuldade de se encontrar com a identidade no próprio seio das diferenças. Esta de-cisão, ao instituir as dicotomias de um comparativo ontológico, se pronuncia pelo ser contra o nada, pela essência contra a aparência, pelo bem contra o mal, pelo inteligível contra o sensível, pelo permanente contra o mutável, pelo verdadeiro contra o falso, pelo racional contra o animal, pelo necessário contra o contingente, pelo uno contra o múltiplo, pela sincronia contra adiacronia. No poder de seu jogo é uma de-cisão que se de-cide pela filosofia contra o pensamento.

Esta de-cisão metafísica não é um presente para sempre passado nem se reduz a simples fato de um passado encoberto pela poeira de dois mil e quatrocentos anos. É mais do que objeto de curiosidade historiográfica. Mais do que uma relíquia no museu do Ocidente. É um passado tão vigente que constitui a fonte donde vivemos hoje, a tradição, que nos sustenta. Seu vigor Histórico promoveu as transformações, as experiências e as interpretações de quase 25 séculos. Deu lugar a motivos orientais. Concebeu o Cristianismo. Provocou o Humanismo, o Esclarecimento e a Ciência Moderna.

É esta mesma de-cisão que estabelece até hoje a filosofia de Sócrates, Platão e Aristóteles como critério na escolha, interpretação e avaliação dos primeiros pensadores gregos. Os problemas, as concepções e os conceitos de Sócrates, Platão e Aristóteles, transformados pelas ciências modernas, servem de parâmetro para se medir o nível filosófico de todos os gregos de antes e depois da segunda metade do século V. Em pacientes pesquisas filológicas, historiográficas e linguísticas busca-se reconstruir a lógica, a ética e a física arcaicas sem se levar em conta que só há uma lógica, uma ética e uma física na tradição de ensino das escolas clássicas. Não se permite, que os primeiros pensadores gregos sejam pensadores. Têm de ser filósofos, iguais a Sócrates, Platão e Aristóteles, ainda que só o sejam de forma arcaica, isto é, primitiva. Por isso mesmo só podem ser pré-socráticos ou pré-platônicos ou pré-aristotélicos. Assim, nestes títulos, o pré- não possui apenas sentido cronológico mas sobretudo axiomático. É o axioma de implantação da filosofia na decadência do pensamento.