Tradução para o português de Américo Sommerman
Retirado de “Do Belo, tratado de Plotino”
3. A alma tem uma faculdade que corresponde a essa beleza e a reconhece, pois nada é mais apropriado do que essa faculdade para apreciá-la, quando o resto da alma contribui para isso. Talvez a alma se pronuncie imediatamente, atestando a beleza onde encontra algo de acordo com a Forma-ideal que está nela mesma, usando essa Forma-ideal para julgar, como nos servimos de uma régua para avaliar se uma coisa é reta. Porém, que correspondência há entre a beleza corporal e à beleza anterior ao corpo? Isso equivale a perguntar a partir de que princípio o arquiteto, tendo edificado uma casa de acordo com a sua ideia interior da casa, considera-a bela. Não é porque a casa que está diante dele, excetuando-se as pedras, nada mais é do que a ideia interior estampada na massa exterior da matéria e manifestando na multiplicidade a sua indivisibilidade.
Pois bem, quando percebemos no objetos uma Forma [Ideia–eidos] que moldou e dominou a matéria informe — contrária à Forma [Ideia] —, como uma Forma que se destaca e subordina as outras formas, apreendemos num único olhar a unidade que emerge da multiplicidade, a remetemos à unidade interior e indivisível, e entre ambas há concórdia e comunhão. A alegria que emerge dali é semelhante a de um homem bom que discerne num jovem os primeiros sinais de uma virtude correspondente à perfeição consumada de sua própria alma.
A simples beleza de uma cor provém de uma unificação, de uma Forma (eidos) que domina a obscuridade da matéria mediante a presença de uma luz que é incorpórea, que é um princípio inteligível e uma Forma-ideal. O fogo é mais belo e elevado do que os outros elementos porque tem em relação a eles o lugar que corresponde à Forma-ideal: sempre ascendendo, sendo o mais leve de todos os corpos, está muito próximo dos incorporais. Ele é o único que não acolhe em si os outros elementos, enquanto os outros são por ele penetrados, posto que eles podem ser aquecidos, mas o fogo não pode esfriar. Ele possui originalmente as cores e é dele que as outras coisas recebem a forma da cor. A sua luz resplandece porque o resplendor emana da Forma [Ideia]. As coisas que não aderem a ela e são pouco permeadas pela sua luz permanecem fora da beleza por não participarem da Ideia ou Forma total da cor.
São as harmonias musicais inaudíveis que produzem as harmonias audíveis e, por meio destas últimas, a alma torna-se capaz de captar a beleza das primeiras. A correspondência entre ambas introduz o sujeito numa essência de outra espécie, pois as medidas harmônicas de nossas músicas sensíveis não são arbitrárias, mas são determinadas pelo princípio ordenador da matéria, pela Forma [ou Ideia].
Já falei o bastante sobre as belezas sensíveis, imagens fugidias que entram na matéria, a adornam e cuja visão enche-nos de encantamento.