Enéada I, 6, 9: A alma torna-se integralmente luz

Tradução para o português de Américo Sommerman
Retirado de “Do Belo, tratado de Plotino

9. O que vê então esse olho interior? No momento de seu despertar ainda não é capaz de olhar para o grande esplendor que está diante dele. Por isso, a alma precisa habituar-se primeiro a contemplar as belas ocupações, depois as belas obras, não as produzidas pelas artes, mas pelos homens de bem, e, por fim, precisa habituar-se a contemplar as almas daqueles que realizam belas obras.

Mas como é possível ser capazes de ver a beleza da alma boa? Volta o teu olhar para ti mesmo e olha. Se ainda não vires a beleza em ti, faça como o escultor de uma estátua que tem de ser tornada bela. Ele talha aqui, lixa ali, lustra acolá, torna um traço mais fino, outro mais definido, até dar à sua estátua uma bela face. Como ele, tira o excesso, remodela o que é oblíquo, clareia o que é sombrio e não de trabalhar a tua própria estátua até que esplendor divino da virtude se manifeste em ti, até que vejas a disciplina moral estabelecida num trono santo . Quando vieres que te tornastes isso e em tua interioridade tiveres uma relação pura, sem obstáculo algum à tua unificação, sem que nada de exterior esteja misturado com o homem verdadeiro; quando te encontrares totalmente verdadeiro para com a tua natureza essencial, apenas essa luz verdadeira que não tem dimensão ou forma mensuráveis espacialmente, nem pode ser circunscrita a uma forma, mas que é uma luz absolutamente imensurável, maior que toda medida e toda quantidade; quando te vires nesse estado, então saberás que te tornaste numa potência viva e poderás confiar em ti mesmo, não tens mais necessidade de um guia, pois embora ainda estando aqui [na Terra] ascendeste.

Fixe então o teu olhar e veja, pois esse é o único olho que vê a grande beleza. Mas se alguém chegar a essa visão ainda mergulhado no vício, sem ter se purificado, ou se for fraco e em sua covardia for incapaz de ver o maior dos esplendores, então nada vê, mesmo outra pessoa para ele o que está claramente diante dos seus olhos. Pois é necessário que o olhar se torne semelhante ao objeto que deve ser visto para ser capaz de contemplá-lo. Jamais um olho poderia contemplar o Sol se não fosse semelhante a ele e jamais uma alma poderia contemplar a Beleza primordial se antes não se tornasse bela.

Portanto, que todo aquele que quer contemplar a Deus e ao Belo se torne antes divino e belo. Tornando a subir, chegará primeiro à inteligência, verá que as Ideias são belas e reconhecerá que essa é beleza, que as ideias são belas, pois elas provém da Inteligência e do Ser. O que está para além da Beleza o chamamos de natureza do Bem, que irradia a Beleza de si mesmo.

Numa fórmula sintética, diremos que o primeiro princípio é o Belo; mas se queremos dividir os inteligíveis, o Mundo das Ideias constitui a beleza da esfera inteligível, e o Bem, que está acima, é a origem e o princípio da Beleza. Do contrário, colocaríamos o Bem e Beleza primordial no mesmo nível. Em todo caso, a Beleza reside ali.