Kingsley: Poema de Parmênides – 6

Resumo de KINGSLEY, Peter. Reality. Inverness: The Golden Sufi Center, 2003, p. 83-92.

Usando neste fragmento a mesma linguagem que anteriormente, inclusive a frase que se repete: “o que existe para pensar”, assim como a desafiante charada sobre a não-existência do que não é.

A expressão “pondere isto” não é uma linguagem de debate intelectual, mas uma fórmula falada na Grécia pelos oráculos depois de dizer algo obscuro.

Um terceiro caminho aparece, no entanto, além do caminho da existência e da não-existência. Ou seja, primeiro o grande sim para tudo, então o grande não. A gora nos é apresentada um figura de pessoas que misturam os dois caminhos e criam um fantástico terceiro caminho, que perambula na existência mas ainda sustentando um opção na não-existência, que passam suas vidas tanto no sim como no não; o que resulta no caos.

A referência da deusa a “mortais” quer dizer a humanidade como um todo, ou “todos aqueles que estão não familiarizados com o divino”; “que inconscientemente ficam confusos em contradições porque tomam o mundo cambiante por realidade verdadeira”; que apenas veem suas circunvizinhanças diárias mas não podem ver através delas”.

Assim, o poema descreve a nós: não nos damos conta do óbvio; nada sabemos sobre nós mesmos; somos tão confusos que não reconhecemos da descrição de nossa confusão. A acusação comum de que ele criticava outro nesta passagem, Heráclito como alguns imaginam, é absurda pois a crítica é claramente com relação à nossa condição enquanto mortais.


A descrição que faz de nós mesmos é pontuada de humor, ao mesmo tempo. A principal imagem que usa para dar uma ideia de como nós mortais vivemos nossas vidas é: “a inépcia em seus peitos é o que dirige suas mentes vagabundas”. O humor fica claro se entendermos que a palavra grega usada para nossa tradução “dirigir” tem o sentido de “direção reta” — condução reta, manter-se habilmente em curso preciso sem desvios. Logo, dirigir e vagabundear são opostos na mesma frase.

Por outro lado, nossa inépcia é o que faz a direção, pois nos dá a ilusão que estamos realmente em controle embora tenhamos perdido qualquer sentido de direção a muito tempo. É isto que Parmênides quer nos dizer: estamos perdidos e, no entanto, nos achamos em controle de nossa direção. O que vem ao encontro da colocação anterior, feita pela deusa, da necessária decisão entre dois caminhos, seguindo aquela direção decidida de modo reto. Mas, estamos em cursos autocorretivos indo a lugar nenhum.

O vocabulário usado por Parmênides para evocar nosso estado de “perdição” faz apelo a uma palavra chave no pensamento grego: “metis”. Esta era a palavra que os gregos usavam para astúcia, habilidade, inteligência prática; e especialmente para esperteza. Metis era o que poderia fazer humanos, em seu nível mais básico, igual aos deuses. Longe de ser um conceito, metis significa uma qualidade particular de intensa consciência que sempre consegue se manter focada na totalidade: a espreita de dicas, mesmo sutis, para se guiar em qualquer forma que se tome, por sinais no caminho a seguir por mais fugidios possam aparecer ou desaparecer.

No mundo da metis não há campo neutro, segunda chance. Quanto mais se toma parte nele mais se descobre que tudo, inclusive a tecedura da realidade ela mesma, é enganadora, é ilusão. Ou se está alerta ou se está em perdição. Não há pausa para descanso, ou hesitação, entrementes.

Parmênides escolheu a palavra “inépcia”, ao invés de qualquer outra, para evocar a condição humana. Em grego a palavra é “amechania” — que literalmente significa “sem manha”. Era usada para descrever pessoas que foram enganadas e capturadas, sobrepujadas, que estão privadas de quaisquer recursos em uma situação de perdição. Assim refere-se com perfeição ao resultado de uma total falta de metis.

Então Parmênides fala de “direção”, o que qualquer grego, seu contemporâneo, sabia que para dirigir cavalos ou um coche — ou um barco através do oceano — era por meio de metis. Para ser capaz de dirigir se devia conhecer todas as artimanhas do caminho ou do mar, ser vigilante, completamente no momento presente. Permitir sua mente divagar não é possível nesta situação. Sempre é uma questão de manter os olhos no caminho adiante; atento a avisos e acima de tudo por algo que pudesse servir de sinal. Mas também era uma questão de se pôr à escuta, estar totalmente alerta em todos os sentidos. Mesmo um minuto de surdez ou cegueira poderia ser a perdição.

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