Resumo de KINGSLEY, Peter. Reality. Inverness: The Golden Sufi Center, 2003, p. 79-81.
As palavras da deusa focam no essencial com precisão, são diretas como sempre, e, no entanto, evocam confusão. Porém, tudo que ela está descrevendo, o que lhe concerne realmente, é a abolição da separação. E note-se sempre de onde ela fala: o domínio da morte, ou seja, aparentemente da separação.
Se pensas em algo fora da vista, muito distante, então a tua mente não conhece distância: o que quer que penses está diretamente presente na tua consciência, és “ciente-com”. Não há distância em absoluto entre ti mesmo e o que estás imaginando ou vendo. Só entretemos algum sentido de separação porque nossa consciência está completamente livre de separação. A aparência de descontinuidade é impossível sem uma perfeita continuidade; a ilusão de ausência é criada pelo que está sempre presente.
Onde quer que olhemos, o próprio ato de olhar significa que a separação simplesmente não existe. E esta ausência de separação não é algo intelectual ou um ideal místico, algo reservado a espíritos ou anjos. É a realidade do mundo de todos os dias que vivemos. Uma vez realizado isto não há mais um incessante vaguear aqui e ali, não há mais ir a algum lugar. Nossa consciência não é mais algo perdido, em alguma parte vagueando, dentro de um mundo. Ao contrário, tudo se dá em tua consciência, imóvel e imutável. Embora permaneça o risco de milhares de maneiras de nos perder dentro dela; de cairmos na armadilha se acreditarmos que realmente importa o que pensamos.
Assim só ha uma escolha, é ver que não há escolha porque nossos pensamentos não são nossos; nunca foram. Eles são apenas a realidade pensando a si mesma. Controlá-los é nos separarmos da realidade, de nós mesmos, lançando-nos no futuro ou no passado. Pois mesmos os pensamentos sobre o passado e o futuro estão no presente. O pensamento nunca para de separar e escolher, e ao final reunir fragmentos de existência como uma identidade.
Entretanto, se ao invés de correr em direção ao que queremos e para longe do que estamos com medo, somente nos mantivermos no presente, então mesmo a dor não é uma causa para o medo. Algumas vezes a dor é tudo que temos: é o que nos faz real e nos dá existência, é a terra e o solo de nosso ser, é o que nos faz humanos e nos oferece a dignidade eterna de “ser” humano.
A maior parte da dor que experimentamos é somente o resultado de fugir da dor. A dor, ela mesma, é uma sensação intensa — e a sensação nada mais é que a realidade percebendo a si mesma. O estranho é que, se somos capazes mesmo por um momento de deixar a dor ser, ela tende a começar a procurar sua própria solução como uma parte do presente; uma parte do todo. Mais a isolamos, mais ela se torna um problema, e é somente quando dela tentamos escapar que somos fracos. Quando encaramos tudo no momento, como um todo, então somos invencíveis.
O que Parmênides está indicando — a unicidade, a completude, a ausência de separação — é uma realidade que vivemos sem mesmo nos dar conta.