arete

gr. ἀρετή, arete: excelência, virtude. A virtude é a excelência na função própria. Cada coisa, quer dizer cada objeto assim como cada ser vivente, tendo uma ou várias funções, a virtude consiste no fato de exercer perfeitamente esta função. (Luc Brisson)


O problema que imediatamente ressalta naqueles que são hoje comumente considerados os primeiros diálogos de Platão é o da determinação do sentido da excelência ou de uma das suas partes: na sua enumeração mais corrente e simultaneamente mais completa, a justiça (δικαιοσύνη, δικαιότης), a coragem (ἀνδρεία), a temperança ou moderação (σωφροσύνη), a piedade (ὅσιον, ὁσιότης) e a sabedoria (σοφία, ἐπιστήμη, φρόνησις).

A enumeração canónica consta do Prt., 349ab. O Laques, o Górgias, o Eutidemo e o Ménon, se bem que parcelarmente, registam também estas cinco partes da ἀρετή, de que a justiça é a mais constante (V. La., 198a, 199d; Grg., 506e-507e e cf. 477d; Euthd., 279ac; Men., 73ac, 79a e também 74a, 78de, 88a; cf. Phd., 69c). O Ménon é igualmente o único a acrescentar três outras ἀρεταί (a generosidade, μεγαλοπρέπεια, 74a, 88a; a facilidade em aprender, εὐμαθία, e a memória, μνήμη, 88a, que, noutro contexto, voltam a surgir na República, VI, 485e-487a, e na Cana VII, 344ad, como as qualidades do filósofo) e o Lísis trata exclusivamente de uma espécie particular de excelência, a amizade (φίλια). Os restantes diálogos socráticos fornecem apenas registos incompletos do quadro assim definido. Na República, IV, 427e, sistematiza-se esta lição a partir de uma descrição cardeal da ἀρετή, comportando como partes a sabedoria, a coragem, a temperança e a justiça e desaparecendo a piedade, presumivelmente englobada na justiça, de acordo com a sugestão do Eutifron, 11e-14b; semelhante descrição regressa mais tarde nas Leis (XII, 965d), no contexto de uma retomada do problema da unidade da excelência (declarada a partir de I, 630d-632d). Uma última palavra acerca da expressão σωφροσύνη: as dificuldades filológicas, históricas e filosóficas associadas à tradução deste termo, nomeadamente no contexto do Cármides, levam-nos a conservá-lo, daqui para diante, sempre no original. [MesquitaPlatão:45]


The following account of the virtues is extracted from the Notes to my Translation of the “Phaedo” of Plato: The first of the virtues are the physical, which are common to brutes, being mingled with the temperaments, and for the most part contrary to each other; or rather pertaining to the animal. Or it may be said that they are illuminations from reason, when not impeded by a certain bad temperament: or that they are the result of energies in a former life. Of these Plato speaks in the “Politicus” and the “Laws.” The ethical virtues, which are above these, are ingenerated by custom and a certain right opinion, and are the virtues of children when well educated. These virtues also are to be found in some brute animals. They likewise transcend the temperaments, and on this account are not contrary to each other. These virtues Plato delivers in the “Laws.” They pertain however at the same time both to reason and the irrational nature. In the third rank above these are the political virtues, which pertain to reason alone; for they are scientific. But they are the virtues of reason adorning the irrational part as its instrument; through prudence adorning the gnostic, through fortitude the irascible, and through temperance the epithymetic power (or the power which is the source of desire) ; but adorning all the parts of the irrational nature through justice. And of these virtues Plato speaks much in the “Republic.” These virtues too follow each other. Above these are the cathartic virtues, which pertain to reason alone, withdrawing from other things to itself, throwing aside the instruments of sense as vain, repressing also the energies through these instruments, and liberating the soul from the bonds of generation. Plato particularly unfolds these virtues in the “Phaedo.” Prior to these however are the theoretic virtues, which pertain to the soul, introducing itself to natures superior to itself, not only gnostically, as some one may be induced to think from the name, but also orectically: for it hastens to become, as it were, intellect instead of soul; and intellect possesses both desire and knowledge. These virtues are the converse of the political: for as the latter energize about things subordinate according to reason, so the former about things more excellent according to intellect. These virtues Plato delivers in the “Theaetetus.” [THOMAS TAYLOR]


arete: virtude. Latim: virtus.

Esse termo, como em latim virtus, possui duplo sentido: físico e moral. Por isso, para certos etimologistas, deriva de áres que, quando nome próprio, designa o deus da guerra (o Marte dos latinos) e, quando substantivo comum, significa combate e coragem. Da raiz ar- tem-se áristos: valente, valoroso, mas também ársen: varão, viril, donde, forte, corajoso; e, provavelmente, árkho, comandar, deter o poder; e arô: semear, fecundar (donde: instrumentos aratórios). A virtude, portanto, no sentido moral é força da alma tendente ao bem.

Como ressaltou Aristóteles, a virtude não é uma sequência ou uma repetição de atos, embora a ação seja a marca de um sujeito moral. Ela é “uma disposição (héxis) adquirida voluntariamente” (Et. Nic, II, VI, 15). Entenda-se com isso que, por um lado, em sendo adquirida, ela não é fruto de boas disposições naturais, mas de um esforço; e, em sendo disposição, é o estado de ‘um sujeito continuamente disposto a agir moralmente.

Os jônios não estavam preocupados com o tema da virtude, que, ao contrário, é muito desenvolvido nos pitagóricos. Segundo Pitágoras, ela é harmonia da alma, tal como a saúde é harmonia do corpo (D.L.,VIII, 33), e os neopitagóricos Teages e Métope redigiram um tratado Da virtude (Peri aretes). Xenofonte nos mostra Sócrates incentivando os discípulos a praticar a virtude (Mem., I, VII, 1), mais pelo seu exemplo do que por seu ensinamento (ibid., I, II, 3).

Platão apresenta, inicialmente, em Mênon (97b-100b), uma virtude de tipo socrático praticada no mundo sensível, por meio da ação, inspirada por um favor divino e definida como opinião verdadeira (v. dóxa); depois, na República (IV, 429e-441c), ele distingue três espécies de virtude em função, ao mesmo tempo, das potências da alma e das classes sociais; ou seja, há três potências da alma: a concupiscência (epithymía), que tem sede no ventre e preside a vida vegetativa; o coração (thymós), que tem sede no peito e preside a vida afetiva (poder-se-ia chamar essa tendência de “impulso espontâneo para os valores”); por fim, a razão (lógos), que tem sede na cabeça e preside a vida intelectual. A harmonia da alma e a da sociedade precisam de três virtudes, ao mesmo tempo específicas e hierarquizadas:

— temperança (sophrosyne), que regra a concupiscência e é própria da gente do povo;

— coragem (andreía), que regra o coração e é própria dos guerreiros;

sabedoria (sophía), que regra a razão e é própria dos governantes.

Uma quarta virtude, a justiça (dikaiosyene), é necessária à alma inteira e às três classes, pois é ela que garante a harmonia no indivíduo e na polis.

Essas quatro virtudes platônicas costumam ser chamadas “virtudes cardeais”. Encontram-se vários esboços delas antes da República; no Protágoras (349b): justiça, sabedoria, santidade e coragem são quatro aspectos de uma virtude única, às quais se soma, adiante, a temperança (361b); em Fédon, aparecem dois trios: coragem, sabedoria e justiça (67b) e temperança, justiça e coragem (68b-e).

Aristóteles, por sua vez, estabelece duas virtudes de acordo com as partes da alma; é grande, porém, a diferença em relação a Platão. Este dá à opinião, à concupiscência e ao coração, que são infra-racionais, a capacidade de exercer a virtude; Aristóteles situa os dois níveis da virtude na alma racional (v. psykhé); pois a virtude, se é adquirida, é adquirida racionalmente; mas não é fruto de uma razão teorética, que tende à verdade, e sim de uma razão prática, que tende à ação (Et. Nte., VI, II, 1-3).

A parte racional da alma tem dois estágios. O superior é o epistemonikón, que é para Aristóteles aquilo que a nóesis é para Platão, ou seja, a razão intuitiva; o inferior é o logistikón, que é para Aristóteles aquilo que a diánoia é para Platão, ou seja, a razão raciocinante. A primeira é sede das virtudes dianoéticas ou contemplativas; a segunda é sede das virtudes éticas ou ativas (ibid., II, I) e, como tais, deliberativas (ibid., VI, I, 6).

A virtude ética (ethiké) manifesta-se pelas seguintes características: é uma práxis, hábito adquirido racionalmente, que leva constantemente a fazer o bem (Et. Nic, II, VI, 15); ela é justa medida (mesótes), como meio-termo entre dois males, um por excesso, outro por falta; por exemplo, a coragem é o meio-termo entre o medo e a temeridade (II,VIII-IX); ela é voluntária, objeto de escolha refletida (proaíresis) (ibid., III, II-V). Por essa razão, a virtude moral fundamental é a prudência (phrónesis), virtude do homem que enfrenta as dificuldades humanas (X,VIII, 3), que pratica a habilidade na ação. As outras virtudes morais são: coragem, temperança, liberalidade, munificência, magnanimidade, brandura, pudor e justiça.

A virtude dianoética (dianoetiké), virtude do sábio que chegou ao ápice do conhecimento e não é dependente de seu corpo nem do mundo sensível, consiste na contemplação intelectual (theoría), que lhe garante a felicidade (eudaimonia) (ibid., X,VI-VIII). Ao contrário de Platão, Aristóteles considera que o homem público, para cumprir corretamente sua função, não precisa das virtudes do homem privado (Pol., III, IV, 3).

Para os estoicos, a virtude é equivalente ao bem (Sexto Empírico, Adv, mor., III, 77) e leva ao soberano Bem (Cícero, De fin., III, 11). Consiste na harmonia da alma com a ordem do universo (Séneca, De vita beata, VIII; Clemente de Alexandria, Stromata, II, XXI, 129; D.L., III, 165). A virtude é uma totalidade: ou se é inteiramente virtuoso ou não se é (D.L.,VII, 90; Cícero, Acad. post., 1,10). No entanto, os estoicos admitem que é possível distinguir certo número de virtudes. Zenão retoma as quatro virtudes cardeais de Platão (Plutarco, As contradições dos estoicos, VII). Outros distinguem as virtudes primárias (cardeais) das virtudes secundárias: magnanimidade, autodomínio, paciência, ardor, discernimento (D.L.,VIII, 92).

Plotino dedicou um pequeno tratado às virtudes: o segundo da I Enéada. Nele, a virtude é definida como semelhança com Deus; chega-se a ela por meio da kátharsis, graças à qual a alma humana se torna puro espírito. O autor aplica essa definição à sabedoria, à prudência, à justiça, à coragem e à temperança, que já estão eternamente no Espírito como modelos (I, II, 7). Volta ao tema no sexto tratado da III Enéada, mostrando que a virtude consiste “em cada parte da alma tornar-se semelhante à sua essência, obedecendo à razão” (III, VI, 2).