Aristóteles: Retórica – emoções

Excerto de ARISTÓTELES. Retórica. Tradução e notas de Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005, p. 131-133 (1368b-1369b) (epub)

Ora todos fazem tudo, umas vezes não por iniciativa própria, outras vezes por iniciativa própria. Das coisas não feitas por iniciativa própria, umas fazem-se ao acaso, outras por necessidade; e das que se fazem por necessidade, umas são por coação, outras por natureza. De sorte que todas as coisas que se não fazem por iniciativa própria são resultado do acaso, da natureza ou da coação. Mas as que se fazem por iniciativa própria e de que os próprios são autores, umas fazem-se por hábito, outras por desejo, umas vezes pelo desejo racional, outras vezes pelo irracional. A vontade é um desejo racional do bem, pois ninguém quer algo senão quando crê que é bom; mas a ira e a concupiscência são desejos irracionais. De maneira que tudo quanto se faz, necessariamente se faz por sete causas: acaso, natureza, coação, hábito, razão, ira e concupiscência. Mas, distinguir as ações na base da idade, dos hábitos morais ou de quaisquer outros motivos é supérfluo; pois, se acontece que os jovens são irascíveis e concupiscentes, não é pela sua juventude que agem assim, mas por ira e concupiscência. Nem tão-pouco por riqueza ou pobreza. Sucede, porém, que os pobres desejam o dinheiro pela sua indigência, e os ricos desejam os prazeres desnecessários pela sua abundância. E também estes agem assim, não por riqueza ou pobreza, mas pelo seu desejo concupiscente. Semelhantemente, os justos e os injustos, e todos quantos se diz que agem de acordo com a sua maneira de ser agirão por estes motivos: ou por razão ou por paixão; uns, porém, por caracteres e paixões honestas, e outros, pelos seus contrários. Acontece que a umas maneiras de ser se seguem umas ações, e a outras, outras; pois talvez no temperante, por ser temperante, se manifestem opiniões e desejos bons acerca das coisas agradáveis, mas acerca das mesmas se manifeste no intemperante o contrário. Por isso, devemos pôr de lado estas distinções, e examinar as consequências habituais de certas qualidades; pois, se uma pessoa é branca ou preta, alta ou baixa, nada é determinado em consequência de tais qualidades, mas, se ela é nova ou velha, justa ou injusta, já é diferente. E, em geral, devemos considerar todas as circunstâncias que fazem diferenciar os caracteres dos homens; por exemplo, se uma pessoa se considera rica ou pobre, feliz ou infeliz, fará alguma diferença. Mas falaremos disso mais tarde; por agora, falemos em primeiro lugar do que resta do nosso tema.

Resultam do acaso os fatos cuja causa é indeterminada, aqueles que se não produzem em vista de um fim, nem sempre, nem geralmente, nem de modo regular. Tudo isto é evidente da definição do acaso. Resultam da natureza todos os (1369b) fatos que têm uma causa interna e regular; pois produzem-se sempre ou geralmente da mesma maneira. Quanto aos que são contrários à natureza, nenhuma necessidade há de precisar se eles se produzem por uma causa natural ou por alguma outra; pois poderia parecer que o acaso é também a causa de tais coisas. Resultam da coação os atos que se produzem contra o desejo e os raciocínios dos mesmos que os praticam. E resulta do hábito o que se faz por se haver feito muitas vezes. Fazem-se por cálculo os atos que, dos bens mencionados, parecem ser convenientes ou como fins ou como meios para atingir um fim, quando são feitos por conveniência; pois também os intemperantes praticam alguns atos convenientes, não porém por conveniência, mas por prazer. Por paixão e ira se cometem os atos de vingança. Mas há uma diferença entre vingança e castigo; pois o castigo é infligido no interesse do paciente, e a vingança no interesse daquele que a exerce com o fim de se satisfazer.

Sobre o que é a ira, mostrá-lo-emos quando falarmos das paixões. Faz-se pelo desejo tudo o que parece agradável. Também o familiar e o habitual se contam entre as coisas agradáveis; pois muitas coisas que não são naturalmente agradáveis se fazem com prazer quando se tornam habituais. Assim, em resumo, todos os atos que os homens praticam por si mesmos são realmente bons ou parecem sê-lo, são realmente agradáveis ou parecem sê-lo. Ora, como os homens fazem voluntariamente o que fazem por si mesmos, e involuntariamente o que não fazem por si mesmos, segue-se que tudo o que fazem voluntariamente será bom ou aparentemente bom, será agradável ou aparentemente agradável. Com efeito, incluo no número das coisas boas a libertação das que são más ou parecem más, ou a troca de um mal maior por um menor (pois são até certo ponto desejáveis); e igualmente no número das coisas agradáveis a libertação das que são ou parecem molestas, ou ainda a troca de uma mais molesta por outra que o é menos. Devemos, pois, familiarizar-nos com o número e a qualidade das coisas convenientes e agradáveis.

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