Tradução em português de José Carlos Baracat Júnior
3. Mas como se dão as apropriações e as aversões? E como tristezas, iras, prazeres, desejos e temores não serão modificações e afecções internas e que nos movem? Com efeito, mesmo a propósito dessas afecções, é preciso fazer a seguinte distinção: negar-se a admitir que ocorram alterações e sensações intensas dessas afecções é contradizer as evidências. Entretanto, se o aceitamos, é forçoso investigar o que é que se modifica. Porque, dizendo que essas coisas ocorrem na alma, corremos o risco de admitir algo semelhante a se disséssemos que a alma se ruboriza ou, ao contrário, fica pálida, sem refletir que essas afecções são originadas através da alma, porém em outra constituição. Contudo, a vergonha está na alma quando ocorre o pensamento de algo vergonhoso; mas é o corpo – ela, por assim dizer, o tem, ou, para não nos equivocarmos com as palavras, ele está submetido à alma e é distinto do inanimado – que se modifica em relação ao sangue, que é de grande mobilidade. E o princípio do chamado medo está na alma, mas a palidez se deve ao refluxo do sangue para dentro. E esse derramamento do prazer chega até a sensação relativa ao corpo, mas o que ocorre na alma já não é afecção. O mesmo se dá no caso da tristeza. Pois o desejo, enquanto o princípio do desejar está na alma, passa desapercebido, mas a sensação conhece aquilo que vem daí. Porque, quando dizemos que a alma move a si mesma em seus desejos, raciocínios e opiniões, não dizemos que ela se agita para produzi-los, mas que esses movimentos se originam a partir dela. Pois, dizendo que o viver é movimento, não dizemos que ela seja alterável, mas sua vida é a atividade de cada parte segundo sua natureza e que não a desloca.
Resumo: é suficiente se admitimos que as atividades, as vidas e os apetites não são alterações, que as lembranças não são impressões estampadas nem as imaginações são impressões como que em cera, e deve-se admitir que, em todos os casos, a alma permanece invariável em seu substrato e em sua essência ante todas as chamadas afecções e movimentos, e que a virtude e o vício não se originam como se originam no corpo a brancura e a negritude ou o calor e o frio, mas do modo como foi dito que se originam os contrários em geral, em ambas as direções e em todos os casos.