O diálogo platônico, segundo Jean Brun (1985)
Todas as obras de Platão, salvo a Apologia de Sócrates e as Cartas, são diálogos. Na maioria destes diálogos é Sócrates quem dirige, salvo nas Leis em que não figura, e no Sofista, no Parmênides e no Político, nos quais não tem o papel principal. A maioria dos diálogos de Platão são montados como pequenas comédias nas quais o caráter dos interlocutores de Sócrates é habilmente traçado, senão mesmo parodiado; O Banquete é um belo exemplo disso. Por vezes esses diálogos recordam uma conversa presenciada por um dos interlocutores. É naturalmente impossível encontrar o pensamento de Sócrates debaixo do do Sócrates de Platão, mas o método dialéctico e dialogado devia pertencer ao mestre; aprofundamento do contato vivo através da palavra, desenvolve-se segundo uma pesquisa não dogmática. Em numerosos diálogos a discussão parte de uma definição proposta por um interlocutor, Sócrates finge a surpresa, pormenoriza a definição, tira daí conclusões que o interlocutor aprova à medida que Sócrates as deduz umas das outras. Depois, bruscamente, o golpe de teatro; chegou-se a uma conclusão que está em contradição com o ponto de partida, sinal de que a definição não valia nada. Quando o interlocutor é de má-fé, como Cálicles, recusa continuar a discussão; quando é de boa-fé, como Teeteto, propõe outra definição que Sócrates examina de novo. Por vezes o diálogo não chega a qualquer conclusão e os intervenientes separam-se com a promessa de retomar a discussão noutra altura. Esta ausência de conclusão não traduz um cepticismo, mas sim uma vontade de não chegar a qualquer conclusão antes de primeiro ter eliminado os erros mais comuns e as caricaturas mais frequentes. No final do Teeteto não sabemos ainda o que é a ciência, mas já sabemos aquilo que ela não é. A ironia socrática consiste em apanhar o interlocutor em flagrante delito de contradição, mostrando-lhe que aquilo que ele considerava como saber não é senão ignorância; como diz Vl. Jankélévitch: «Sócrates impede o escândalo dessa erística a impostura desse ‘arrivismo’; Sócrates metralha com perguntas os mercadores de belas frases e tem um gozo malicioso em rebentar esses sacos de eloquência, e esvaziar essas bolhas de vão saber. Sócrates é a consciência dos Atenienses, ao mesmo tempo a sua boa e má consciência.» (Vl. Jankélévitch, A Ironia (Paris, 1936), p. 3)
Em certas obras, como A República ou As Leis, o diálogo é pouco evidente e a obra é mais uma exposição contada do que uma conversa propriamente dita (Acerca de todos estes problemas, cf. V. Goldschmidt, Les dialogues de Platon; structure et méthode dialectique, Paris, 1947). Terminaremos salientando o papel essencial dos mitos no diálogo platônico, papel sobre o qual teremos que voltar a falar.