Brun: Parmênides — Fragmento VI

Khre to legein te noein teon emmenai. Tra-duz-se geralmente: «É preciso dizer e pensar que o Ser existe sempre» (Zafiropulo) ou, «Deve necessariamente ser, o que pode ser pensado e de que se pode falar» ou «É necessário que uma expressão e um pensamento sejam» (Frankel). É difícil fazer uma escolha entre estas traduções, que, de qualquer modo, podem inscrever-se na interpretação clássica da ontologia eleática.

Aqui ainda, Heidegger dá uma interpretação, senão mais correcta, pelo menos original, esclarecendo-nos sobre o sentido do seu próprio pensamento e do movimento histórico-filosófico que a ele o conduziu1. Sublinhando a importância do tempo legein, Heidegger, sempre preocupado em fazer convergir Parmênides e Heráclito, enquanto ambos são filósofos pré-socráticos detentores de uma forma de pensamento esquecida a partir de Sócrates, encontra aí uma teoria do lógos que aproxima da noção de physis heraclitiana. Traduz: «Há necessidade do dizer do mesmo modo que do entender, e o que é preciso dizer e entender é o ente no seu ser.» Esta passagem responde à pergunta: o que é o homem? E o noein não é de modo algum um poder que estaria no homem, é o devir que caracteriza o homem e no qual está situado, avança na história e, realizando a sua aparição, atinge o Ser. Daí a célebre definição de Heidegger de que o homem seria o guardião, o pastor do Ser. Hoje, seríamos vítimas de uma velha definição zoológica do homem, que faz dele um animal racional:

«No quadro desta definição assentou a concepção ocidental do homem, tudo o que se denomina psicologia, ética, teoria do conhecimento e antropologia. De há muito tempo, somos sacudidos numa mistura confusa de ideias e concepções tomadas dessas disciplinas.»2

Para Heidegger, há pertença recíproca e separação do homem e do Ser. Por isso, a essência do homem seria a sua existência.

Seja qual for o carácter discutível das interpretações de Heidegger, por aventurosas que sejam as suas afirmações filológicas, elas permitem reencontrar, iluminada por nova luz, a ideia tão simples de que o Ser não é a existência. Isso mesmo acentuava Étienne Gilson, ao dizer: «A doutrina de Parmênides conclui pela oposição do ser e da existência: o que é não existe ou, se quisermos atribuir a existência ao devir do mundo sensível, o que existe não é.»3


  1. Cf. Qu’appelle-t-on penser?, p. 165; Introduction à la métaphysique, p. 154. J. WAHL, Vers la fin de l’ontologie, p. 166. 

  2. HEIDEGGER, Introduction à la métapkysique, p. 155. 

  3. Étienne GILSON, L’être et l’essence, Paris, 1948, p. 24. 

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