Mantendo os níveis de «abertura» identificados, podemos perceber que é possível imitar o que quer que seja sem ter a mínima noção da excelência (arete) de cada coisa em geral e, portanto, também sem ter a mínima noção daquilo que se passa a respeito das situações (pragmata) humanas. Não há, por conseguinte, nenhuma impossibilidade de produzir uma «imitação», mesmo nada se sabendo acerca de cada coisa se presta ou não . O imitador nada sabe que seja digno de menção sobre aquelas coisas que imita . A reprodução imitadora (mimesis) é uma brincadeira, nunca uma coisa séria .
A dificuldade em avaliar tudo isto e, assim, sofrer a consequência da ação da reprodução (mimesis) é devida à «afectabilidade da nossa natureza» . que em nós domina é a aparição que nos afecta e não aquilo que de facto acontece, o que seria o resultado de um verdadeiro «cálculo» . Só assim poderíamos estar «já a ver que ia acontecer» . Podemos ter uma compreensão deste domínio da aparição (phainomenon) em nós, quando atendemos ao seguinte : que uma determinada coisa vista de longe não «parece» ter o mesmo tamanho, dada a aparição distanciada que ela tem quando é vista de perto , ou que a forma da aparição das coisas dentro de água e fora dela é diferente para quem as está a ver, uma vez que lhes surgem ora curvadas ora direitas, devido ao erro da visão . Estes sucessos são «sintomas» de que há uma perturbação , uma afectação inerente à lucidez humana , não nos permitindo ter um verdadeiro acesso ao que de facto está a acontecer. A possibilidade de destruir esta «afectação da natureza que é a nossa» e de prestar socorros extraordinários só é dada pelo cálculo do que nos irá acontecer (logisamenon). Aquilo a que assim se tem acesso resulta não já de uma afectação (pathos) da nossa natureza, mas de uma verdadeira ação (ergon) da nossa lucidez .
Assim, também no horizonte das situações (pragmata) humanas está em causa a anulação do vigor com que as afectações nos afectam e a constituição de um verdadeiro acesso aos fenômenos que ocorrem nessa dimensão. Também aqui, é possível estabelecer uma diferença entre o modo como as coisas nos surgem, afectando-nos, e um outro modo de nos reportarmos a elas, que se dá não só por reação ao que acontece, mas resultante de um esforço compreensivo que procura uma explicação para o que sucede. Um outro modo, porém, fundado no sentido (logos) e não já numa afectação (pathos). Só nessa conformidade subsistirá a possibilidade de se vir a saber o que nos afecta .