Mitologia Grega – Hércules – Doze Trabalhos – Corça do Monte Cerineu
Junito Brandão
A interpretação pindárica é como que uma antecipação da única tarefa realmente importante do herói, sua liberação interior. Sua estupenda vitória, após um ano de tenaz perseguição, apossando-se da corça de cornos de ouro e pés de bronze, tendo chegado ao norte e ao céu eternamente azul dos Hiperbóreos, configura a busca da sabedoria, tão difícil de se conseguir. A simbólica dos pés de bronze há que ser interpretada a partir do próprio metal. Enquanto sagrado, o bronze isola o animal do mundo profano, mas, enquanto pesado, o escraviza à terra.
Têm-se aí os dois aspectos fundamentais da interpretação: o diurno e o noturno dessa corça. Seu lado puro e virginal é bem acentuado, mas o “peso do metal” poderá pervertê-la, fazendo-a apegar-se a desejos grosseiros, que lhe impedem qualquer voo mais alto.
De outro lado, embora consagrada a Ártemis, a corça, no mito grego, é propriedade de Hera, deusa protetora do amor legítimo e do himeneu. Símbolo essencialmente feminino, o brilho de seus olhos é, muitas vezes, cotejado com a limpidez do olhar de uma jovem. O Cântico dos Cânticos usa o nome da corça numa fórmula de esconjuro, para preservar a tranquilidade do amor:
“Eu vos conjuro, filhas de Jerusalém, pelas gazelas e corças do campo, que não perturbeis nem acordeis a minha amada, até que ela queira (2,7)”.
Mário Meunier
Robert Graves
b. Pouco disposto a matar ou ferir a corça, Hércules realizou esse Trabalho sem despender a menor força. Ele a perseguiu incansavelmente durante um ano inteiro, numa caçada que o levou até Hístria, no país dos hiperbóreos. Quando, finalmente esgotada, a corça se refugiou no monte Artemísio, e dali desceu até o rio Ladão, Hércules disparou uma flecha com a qual prendeu suas patas dianteiras, perfurando-a entre o osso e o tendão sem derramar sangue. Depois ele a recolheu e carregou nos ombros até Micenas, atravessando a Arcádia. Dizem, porém, que ele teria usado redes; ou que seguiu o rastro da corça até encontrá-la dormindo debaixo de uma árvore. Ártemis saiu ao encontro de Hércules e o repreendeu por ter maltratado o seu animal sagrado, mas ele alegou que o havia feito por pura necessidade, e fez recair toda a culpa sobre Euristeu. Assim, ele aplacou a ira da deusa, que lhe permitiu levar a corça viva para Micenas.
c. Uma outra versão deste Trabalho reza que a corça era aquela que a plêiade Taígete, irmã de Alcíone, havia dedicado a Ártemis em agradecimento por havê-la transformado temporariamente em corça, permitindo-lhe, assim, eludir os abraços de Zeus. Não era fácil, contudo, enganar Zeus por muito tempo, e, no final das contas, ele gerou com ela Lacedêmon, após o que ela se enforcou no cume do monte Amiclas, que desde então passou a se chamar monte Taígeto. A sobrinha homônima de Taígete casou-se com Lacedêmon e com ele teve um filho, Hímero, que Afrodite fez com que deflorasse involuntariamente sua irmã Cleódice, numa noite de diversão promíscua. No dia seguinte, ao dar-se conta do que havia feito, Hímero se atirou ao rio — agora conhecido às vezes pelo seu nome — e nunca mais voltou a ser visto. Mas o rio é geralmente chamado de Eurotas, pois o predecessor de Lacedêmon, o rei Eurotas, tendo sofrido uma ignominiosa derrota por parte dos atenienses — em virtude de não ter querido esperar a Lua cheia para travar a batalha —, afogou-se em suas águas. Eurotas, filho de Miles, o inventor dos moinhos de água, era pai de Amiclas e avô de Jacinto e Eurídice, que se casou com Acrísio.