Cosmogonia

GUTHRIE, W. K. C., «THE RELIGION AND PHILOSOPHY OF THE GREEKS», C. A. H„ 2.a ED., VOL. II, CAP. XL, CAMBRIDGE, 1961, PP. 35-36

«Parece ter sido um traço comum das primitivas crenças cosmogônicas dos Gregos, compartilhadas com as do Oriente Próximo e de outros lugares, que no princípio tudo estava fundido em uma massa indiferenciada. O ato inicial, quer o imaginem como criativo, ou como evolutivo, foi uma separação. No mito hebraico da criação, relatada no Gênesis, ‘Deus dividiu a luz das trevas […] e as águas que estavam sob o firmamento das águas que estavam sobre o firmamento’, e assim por diante. Diodoro começa o seu relato acerca da origem do mundo, que parece ascender a um original do século V, dizendo que, no princípio o Céu e a Terra tinham uma forma só, porque suas naturezas eram mistas, e cita, em apoio, um verso de Eurípides (cf. § 7). A mesma ideia aparece no monismo dos primeiros filósofos da Jônia, e Anaxágoras declara que ‘todas as coisas eram juntas’, até que o Espírito sobre elas impôs uma ordem.

As teogonias atribuídas a Orfeu e Museu expressavam o mesmo que os filósofos monistas, dizendo que ‘todas as coisas vieram a ser, de um’ e incorporaram-no em um mito de sua própria fábrica. A ubiquidade desta concepção, no pensamento grego, justifica-nos o tomar literalmente as palavras que abrem o relato hesiódico: ‘primeiro que tudo, o Abismo veio a ser’ (em nota: O Caos era o espaço entre o Céu e a Terra, cf. Aristoph., Aves, 192). O primeiro ato da geração do mundo tem de ser a separação dos elementos misturados em uma fusão primária, em que, particularmente, Céu e Terra eram um. Esta primeira parte da Teogonia, se bem que retenha a imagem do nascimento, está bem no caminho que vai do mito à filosofia. Uma vez que o Abismo veio a ser, a Terra aparece e, com ela, o Eros; enquanto se mantenha a ideia de procriação, o poder do amor sexual tinha de existir, desde o princípio. Este, comummente, tem seu habitat entre o Céu e a Terra, como no Banquete de Platão, e numa versão da teogonia órfica, em que surge de um ovo, do qual, as duas metades, dividindo-se, foram respectivamente a Terra e o Céu. Quando o mito vem a ser concebido como veículo demasiado rude para a comunicação da verdade (um estágio que não se encontra muito adiante deste antigos versos de Hesíodo), este poder mediador é facilmente racionalizado, como chuva que cai do Céu e fertiliza a Terra, ou, mais geralmente, como o ‘elemento húmido’, em que os filósofos viram a origem da vida.»