Críton: Resumo Jean Brun

Resumo de Jean Brun
Sócrates põe a força do valor acima do valor da força; para ele, contrariamente a Cálicles, «é preferível sofrer a injustiça do que cometê-la» (527 b).

Sócrates mostra isto na maneira como acolheu a sentença dos juízes que o condenaram à morte e ao recusar os esforços dos seus amigos que queriam que fugisse da prisão. O Críton dá-nos as razões dessa recusa na célebre passagem da prosopopeia das leis. Sócrates diz a Críton, que acaba de o convidar a evadir-se, o seguinte: «Supõe que no momento em que nos formos evadir, ou qualquer que seja o termo para qualificar a nossa saída, as leis e o Estado se apresentam na nossa frente e nos interrogam deste modo: ‘Diz-nos, Sócrates, o que pensas fazer? O que pretendes com o que vais tentar, a não ser destruir-nos, a nós, as leis e o Estado todo, quanto puderes? Achas que um Estado pode subsistir e não ser derrubado, quando os juízos que nele se dão não têm força e os particulares os anulam e os destroem? [… ] Temos, Sócrates, fortes provas de que te agradamos, nós e o Estado. De facto não terias ficado nesta cidade mais assiduamente do que qualquer outro ateniense se ela não te tivesse agradado mais do que a outros. […] Tiveste até filhos nesta cidade, testemunhando deste modo que ela te agradava. Mais: mesmo durante o teu processo, podias, se quisesses, ter acarretado a pena do exílio, e aquilo que hoje projectas ao avesso da cidade executá-lo-ias com o seu assentimento. Mas nessa altura afirmavas ver a morte com indiferença; declaraste preferi-la ao exílio; e hoje, sem te envergonhares por teres dito essas belas palavras, sem te preocupares connosco, as leis, empreendes a nossa destruição, vais fazer aquilo que faria o mais vil dos escravos, tentando fugir apesar dos acordos e das promessas que fizeste de te portares como um bom cidadão. […] Se te retirares para uma das cidades vizinhas, Tebas ou Mégara, pois tanto uma como outra têm boas leis, irás chegar lá, Sócrates, como inimigo dessas constituições, e todos aqueles que cuidam da sua cidade irão olhar para ti com olhos desconfiados considerando-te como um corruptor de leis, e irás confirmar era favor dos teus juízes a opinião do que julgaram acertadamente o teu processo; pois todo 0 corruptor de leis passa com razão por corruptor de jovens e dos espíritos fracos. Irás então evitar as cidades que têm boas leis e os homens mais civilizados? E se assim fizeres, valerá a pena viver? […] Se partires hoje para o outro mundo, partirás injustamente condenado, não pelas nossas leis, mas pelos homens. Se, pelo contrário, te evadires depois de ter vilmente respondido à injustiça pela injustiça, ao mal pelo mal, depois de ter violado os acordos e contratos que te ligavam a nós, depois de ter feito o mal àqueles a quem deverias não tê-lo feito, a ti, aos teus amigos, à tua pátria, a nós, então ficaremos zangados contigo durante a tua vida e lá as nossas irmãs, as leis do Hades, não te acolherão favoravelmente, sabendo que tentaste destruir-nos, porquanto isso depende de ti.» (Críton, 50 b seg. — trad. Chambry)

Em resumo, como diz Vladimir Jankélévitch, Sócrates «vingou-se dos seus acusadores legando-lhes a sua morte» — V. Jankélévitch, L’ironie (Paris, 1936), p. 6.

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