Dilthey: Sócrates

Excertos de Wilhelm Dilthey, História da Filosofia. Trad. Silveira Mello. Livraria Exposição do Livro, sem data.

III. A Filosofia ática. Idealismo de Sócrates e de Platão

1. Sócrates

Segundo Cícero, Sócrates fêz com que a filosofia descesse do céu à terra e se interessasse pela vida e pelos costumes, pelos bens e pelos males. Nasceu em Atenas, em 470 a. C. ou nos primeiros meses do ano seguinte. Era filho do escultor Sofronisco e da parteira Fenarete. Sua atividade reduz-se à conversação. As fontes para o estudo desta atividade, vamos encontrá-las nas obras de seus discípulos, que o apresentam juntamente com os seus diálogos. Conservamos, desta espécie de obras, as que foram escritas por Xenofonte (a mais importante é: Memorabilia, escrita em defesa de Sócrates) e por Platão. As discrepâncias entre estes dois testemunhos podem aplainar-se até certo ponto, utilizando adequadamente a Apologia platônica, historicamente fiel e as passagens aristotélicas correspondentes (cf. Dilthey, I, 177). É fundamental para a crítica das fontes a obra da Schleiermacher, “Uber den Wert Sokrates ais Philosophen”, G. W. III, 2, p. 278 ss.

Mas ficam problemas por resolver. 1) Sobre a atividade de escritor de Xenofonte, Krohn, Sokrates und Xenophon, 1874, considera sem nenhuma justificação que a maior parte das Memorabilia é apócrifa. Além disto, é certo que esta obra se propõe, pela sua intenção apologética, apresentar uma exposição histórica. Em oposição à opinião dominante, Richter, “Xenophonstudien”, Jahrb, f. class. Philol. 19 Suppl., 59 ss. e Joel, Der echte und der xenophontische Sokrates, 1893-1901, têm a obra de Xenofonte como criação artística que se utiliza da invenção livre. As notas de Zeller em Archiv., CII, 97 ss. 2) Também está por resolver a dificuldade que representa a circunstância de, na Apologia, se destacar unilateralmente aquele aspecto dos diálogos de Sócrates em que este pretende demonstrar a sua ignorância, pondo-os numa relação indefensável com a sentença do oráculo deifico, pela qual “ninguém era mais sábio que Sócrates”. Finalmente, 3) Aristóteles submete as teses socráticas ao seu próprio delineamento do problema e aos seus próprios conceitos. A única coisa segura é que nada do que se acha em contradição com a sua informação pode ser considerado como socrático. Daí que o nosso conhecimento sobre a ação e doutrina de Sócrates é incerto sob muitos aspectos.

Sócrates não abandonou a cidade senão para umas festas e para a guerra, em que se distinguiu. Manteve-se à distância dos assuntos públicos. Atuou na sua cidade natal durante toda a sua vida. Recorde-se o seu gênio. Sua luta contra a provisão democrática dos cargos públicos. Aristófanes atacou-o em As Nuvens. No ano 399, Meleto, apoiado pelo político democrático Anito e pelo orador Lico, acusa-o do seguinte: “Sócrates contraria as leis, visto que nega os deuses a que a cidade rende culto, introduzindo novos entes demoníacos e corrompe a juventude”. Condenou-se Sócrates por uma maioria escassa de votos. Sua arrogante e heróica atitude valeu-lhe a sentença de morte por uma maioria muito mais ampla. Recusou a fuga que lhe estava sendo preparada, como algo contrário às leis e ingeriu a cicuta com o espírito em paz. A descrição das suas derradeiras horas encontra-se no Fédon platônico.

A sua doutrina. a) Serve de base a Sócrates a demonstração que do caráter fenomênico do mundo exterior fazem os sofistas e o estudo que aqueles dedicam aos feitos espirituais e sociais. Tendo por ponto de partida o ceticismo, desenvolveu Sócrates o método de remontar à origem do saber e às crenças de cada época, até atingir o fundamento de cada tese (diálogo socrático) e com este método fixou conceitos morais firmes (autognose socrática). Não aceitou a ciência do mundo junto a esta nova análise da consciência lógica e moral, mas sim, a conclusão de Anaxágoras que ia da teologia do cosmo à divindade (Memorabil., I, 4, Fédon, p. 97 B; b). Os princípios dessa forma encontrados devem guiar a vida moral do indivíduo (a virtude é um saber) e a vida política da sociedade (ao saber, que encontra no bem sua âncora, liga-se uma função política, pois se opõe à distribuição democrática dos cargos públicos).

2. Para-Socráticos

a) Xenofonte nasceu em 430. Defende, de acordo com o princípio socrático, a força vitoriosa do saber na vida política. Inspirando-se no acontecido na monarquia persa, exalta a realeza em sua novela político-pedagógica Ciropédia, cf. Hildebrand, Gesch der Rechtsund Staatsphil., I, 247 ss. Ésquines compôs diálogos socráticos. Hermann, De Aesch. Socratici reliquiis, 1850.

b) Escola de Mégara. Euclides uniu a doutrina e a dialética dos eleáticos com o socratismo, Schleiermacher julga existir uma relação do Sofista de Platão, 242 B ss., com a escola de Mégara. Mas estes asomata eide são atribuídos a Platão, como seu criador, por Aristóteles, Metafísica, I, 6; Eth., Nik., I. 4 Argumentos capciosos de Euclides: o mentiroso, o oculto, o enganador. Argumentos de Deodoro acerca do movimento e do possível (Zeller, Abh. Berl. Akad. 1882, pp. 151 ss.). Estilpon combinou a escola de Mégara com a cínica; seu discípulo foi Zenão, o fundador da escola estóica. É afim da escola de Elis, montada por Fédon, discípulo de Sócrates, notório pelo diálogo que leva o seu nome.

c) Escola Cínica, fundada por Antístenes. Nasceu em Atenas e mudou de Górgias para Sócrates, já muito tarde; é importante pelo seu modo lógico-gramatical de focalizar as questões, modo que pôde desenvolver inspirando-se em Sócrates e Górgias e em que baseou a polêmica contra as ideias de Platão; opôs-se a este com um sistema nominalista, de que o estoicismo se serviu depois com base da sua teoria do conhecimento, com o qual alcançou uma projeção histórico-universal; foi também o primeiro que, partindo do monoteísmo, desenvolveu contra a vida estatal grega a doutrina política da cidadania universal; a sua Politeia foi uma obra original muito discutida e utilizada. Ensinou no ginásio de Cinosargos; desta cidade e do seu modo de vida procede o qualificativo de “cínico”. Conservamos poucos fragmentos de numerosas obras (coleção Winckelmann, 1842; os estudos que revelaram pela primeira vez a importância extraordinária que corresponde a Antístenes devem-se a Fer. Dummler. Antisthenica, 1882 e Akademica, também Philologus, 1891, pp. 288 ss.). Pertence à sua escola Diógenes de Sínope, a caricatura de Sócrates. Os cínicos lutam contra todas as convenções, incluindo o sentimento de pudor e a favor do estado de natureza. Lutam contra a escravatura.

d) Escola Cirenaica. Aristipo de Cirene, talvez já sob a influência de Protágoras (o sensualista do Teeteto, segundo Dummler, Ak., 173 ss. e Natorp, Archiv., III 347 ss., seria Aristipo, influenciado por Protágoras), chegou a Atenas, onde esteve com Sócrates, tendo ensinado mais tarde em diferentes lugares (encontrou Platão na corte siciliana), especialmente em Cirene. Discípulos da sua teoria hedonista: seu neto, Aristipo o jovem, Teodoro, o ateu, Hegésias, o pessimista, Aniceris. Euemero, que esteve em contato com a escola, foi quem primeiro explicou a origem da crença dos deuses pela veneração suscitada por homens ilustres.

e) Teóricos Políticos Independentes: Hipodamos de Mileto, contemporâneo de Sócrates, arquiteto e político socialista moderado: Arist., Polit. II, 8: “o primeiro entre os políticos não práticos que projetou expor algo sobre a melhor forma de estado” (no mesmo lugar encontramos maiores informações e a crítica de Aristóteles). C. F. Hermann, De Hippiãamo, 1841. Faleas foi o primeiro a pedir que se estabelecesse e mantivesse a igualdade da propriedade entre os cidadãos (informações e crítica de Aristóteles, Polit. II, 7). O orador Isócrates (próximo a Sócrates).

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