O mais notável (e mais singular) título dos inúmeros livros publicados por Mircea Eliade foi Mefistófeles e o Andrógino. Este título teve um longo histórico. Foi o título do seu mais longo ensaio; este artigo, por sua vez, tinha sido sua palestra no encontro de Eranos em Ascona, na Suíça, em 1958. Antes disto, este mesmo material tinha originalmente feito parte de seus estudos no final dos anos trinta, publicados durante a guerra, em romeno, como O mito da reintegração? O próprio ensaio, em sua última versão para o inglês, alude a esta prolongada história em suas primeiras linhas. ‘Mais ou menos vinte anos atrás (em 1938), ao reler o ‘Prólogo no Céu’, do Fausto de Goethe, e logo após ter relido Séraphita, de Balzac, pareceu-me ter encontrado uma espécie de paralelo entre as duas obras que não consegui definir. Henry Corbin, muito atento à obra de Eliade (e vice-versa), também investigou a relação entre Fausto e Séraphita. Corbin, assim como Eliade, abriu uma palestra em Eranos com uma discussão sobre Séraphita, em 1965. Em outra oportunidade, da mesma maneira que fez Eliade, Corbin também voltou a este tema. Gershom Scholem, seguindo este paralelo, mostrou que tais ensinamentos esotéricos sobre o andrógino levavam a fantasias particulares de seu amigo, o filósofo Walter Benjamin.
Para esclarecer as teias deste interesse comum — na verdade, a princípio, simplesmente para discernir o tema em si — devo explicar as conexões entre vários textos aparentemente não relacionados entre si. Estes incluem o conto Séraphita, de Balzac, a novela Baphomet, de Pierre Klossowski, e uma fantasia curta de Walter Benjamin. Estas três obras, cada uma não classificável por si, trata de tradições esotéricas de um modo que entrelaça a linha entre a ficção e a não-ficção, entre a confissão espiritual e a ‘mera’ literatura; entre a alusão a segredos de iniciação e o arranhão das formas burguesas de monoteísmo. Depois de caracterizar tais implicações, concluirei com algumas reflexões a respeito da influência destes temas sobre a teoria mefistofélica da religião, refinada pelos historiadores da religião que aqui estão sendo estudados.
[Excertos da tradução em português de Dimas David Santos Silva, do livro de Steven Wasserstrom, Religion after Religion]MÉPHISTOPHÉLÈS ET L’ANDROGYNE
- Experiências da luz mística
- Um sonho
- Qaumanek
- A “luz solidificada”
- A Índia: a luz e o atman
- O Ioga e as “luzes místicas”
- Teofanias luminosas
- O budismo
- A Luz e o bardo
- Luz e maithuna
- Mitos tibetanos sobre o Homem-Luz
- A experiência indiana da luz mística
- Técnicas chinesas
- O Mistério da Flor de Ouro
- Irã
- Antigo Testamento e judaísmo
- O batismo e a Transfiguração
- Os monges “flamejantes”
- Palamas e a luz taborica
- Mística da Luz
- Experiências espontâneas de Luz
- Luz e Tempo
- Notas Finais
- Mefistófeles e o Andrógino ou o Mistério da Totalidade
- O “simpatia” de Mefistófeles
- Pré-história da coincidentia oppositorum
- A associação Deus-Diabo e o mergulho cosmogônico
- Devas e Asuras
- Vrtra e Varuna
- Os dois planos de referência
- Mitos e ritos de integração
- O andrógino no século XIX
- O romantismo alemão
- O mito do andrógino
- A androginia divina
- A androginização ritual
- A totalidade primordial
- Doutrinas e técnicas tântricas
- Significações da coincidentia oppositorum
- Renovação Cósmica e Escatológica
- O nudismo escatológico
- A chegada dos Americanos e o retorno dos mortos
- Sincretismo pagão-cristão
- A destruição do Mundo e a instauração da Idade de Ouro
- A espera dos mortos e a inação ritual
- O Novo Ano e a restauração do Mundo nos Californianos
- O ritual Karok
- Novo Ano e Cosmogonia
- Regeneração periódica do Mundo
- Os ludi romanos; a asvamedha
- A sagração do rei indiano
- Regeneração e escatologia
- Cordas e Marionetes
- O “milagre da corda”
- Hipóteses
- Mitos tibetanos da corda cósmica
- O fio de um xamã negrito
- A Índia: cordas cósmicas e tecedura pneumática
- Tecedura e condicionamento
- Imagens, mitos, especulações
- Cordas e marionetes
- Aurea catena Homeri
- A “corda astral”
- Cordas mágicas
- Situações
- Notas sobre o simbolismo religioso
- A voga do simbolismo
- As inibições do especialista
- Questões de método
- O que “revelam” os símbolos
- A “história” dos símbolos