Ética a Nicômaco (VI, 4) – produção e ação

Excerto de ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. António Caeiro. Lisboa: Quetzal, 2015, p. 149-150

[1140a1] Daquilo que pode ser de outra maneira distingue-se o que é produtível [poieton de poiein] e o que é realizável [prakton] pela ação [praxis]. A produção [poiesis de poiein] Ποίησις: produção, fabricação. é diferente da ação [praxis] (damos aqui crédito ao que se disse acerca destas disposições nos escritos que já vieram a lume). Assim, a disposição prática [hexis praktike] conformada por um princípio racional é diferente da disposição produtora [poietikes hexeos] conformada por um princípio racional. Assim, nenhuma das [5] duas é envolvida pela outra, porque nem a ação é produção nem a produção é ação. Uma vez que a construção civil é uma certa perícia [techne], pode dizer-se que é uma certa disposição produtora conformada por um princípio racional [logos]. Como não há nenhuma perícia que não seja também ela uma disposição produtora conformada por um princípio racional, nem há sequer nenhuma disposição deste gênero que não seja ela própria uma perícia, segue-se que uma perícia [10] é o mesmo que uma disposição produtora segundo um princípio verdadeiro. Por outro lado, toda a perícia tem em vista trazer algo à existênciaTem o seu campo de aplicação na geração de qualquer coisa.. Produzir com perícia significa ver como se pode produzir alguma das coisas que podem ser [einai] ou não ser [me einai]. O seu princípio originador [arche] radica no elemento produtor e não na coisa que é produzida. Pois, na verdade, não há nenhuma perícia que se [15] aplique aos entes que são ou vêm a ser por uma necessidade [anake] intrínseca nem aos entes que existem por natureza. De facto, estes últimos têm o princípio da sua origem em si próprios. Ora, uma vez que a produção é diferente da ação, é necessário que haja uma perícia da produção, mas não da ação. De algum modo também o acaso [tyche] e a perícia dizem respeito às mesmas regiões do ser, tal como até Agatão diz: «A perícia gosta do acaso e o acaso da perícia.»Fragmento 6. [20]

A perícia é, então, tal como foi dito, uma certa disposição produtora conformada por um princípio verdadeiro [alethous poietike]. Mas a falta de perícia, por outro lado, não deixa também de ser uma disposição produtora, embora conformada por um princípio falso [logou pseudos]. Ambas, contudo, têm como âmbito de aplicação o que pode ser de outra maneira [endekomenon allos echein].

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