éndoxon: opinião, opinião geral
1. Nos Anal. post. Aristóteles expõe com pormenor um método de procedimento científico que ele designa por « demonstração » (apodeixis) e que pode ser descrito como o progresso, através da via silogística, de premissas conhecidas para conclusões novas, verdadeiras e válidas. Como teoria é admirável, mas como método é desmentido na maior parte do corpus aristotélico onde o verdadeiro procedimento seguido é mais frequentemente aporemático (ver aporia e o passo esquemático na Metafisica 995-b)
2. Este último caminho, que vê a filosofia como partindo de problemas que exigem solução, é inteiramente socrático tal como o consequente solicitar de opiniões que são então dialeticamente elaboradas no sentido de uma solução. 0 que o Sócrates histórico fez na conversa e Platão aperfeiçoou na forma literária do diálogo, Aristóteles analisou-o em método: « Um silogismo é demonstrativo (apodeixis) quando procede de premissas que são verdadeiras e primordiais…; é dialético quando se articula a partir das endoxa… Endoxa são proposições que parecem verdadeiras a todos ou à maioria ou aos sábios » (Top. I, 100a-b).
3. É este procedimento, chamado dialético (dialektike), que é frequentemente invocado por Aristóteles no decurso do seu filosofar, despido, por certo, dos seus rigores silogísticos ideais.
4. A definição das endoxa no texto supracitado sugere que as opiniões têm simultaneamente uma base quantitativa e qualitativa. A primeira parece socrática, i. é, discutindo o que se pode chamar o ponto de vista do « senso comum », e esta aproximação é seguida em vários pontos nos trabalhos da ética (ver Ethica Nichomacos VII, 1145 b), de igual forma que na grande abertura da Metafísica (982 a). Neste último texto Aristóteles procura obter a natureza da sophia, e o processo que adaptou é partir da visão vulgar do que é um homem sábio. E pode tomar esta orientação dado o pressuposto que havia ficado por tratar em Platão: a natureza una e progressiva da filosofia, onde a verdade não é salvaguarda de qualquer homem mas o resultado de uma contínua e acumulada investigação (Metafísica 993 a-b).
5. Mas a definição de endoxa no Tópicos abre a possibilidade de um recurso à opinião qualitativa, ao « profissional » de preferência ao ponto de vista do « senso comum » e « àquilo que parece verdade aos sophoi ». Assim começa a história da filosofia moldada, não como uma disciplina histórica independente, mas sim como uma parte do método da própria filosofia, a premissa maior ou seja um silogismo dialético. Nas considerações de Aristóteles as opiniões dos seus predecessores filosóficos foram sempre integradas nas suas próprias investigações. O primeiro a apresentar uma separação física do material histórico foi o seu discípulo Teofrasto cujas Opiniões dos Filósofos Naturalistas constituiu um trabalho de livre inovação e é o antecessor de todas as coleções doxográficas que lhe sucederam (ver paralela separação do esboço do caráter em Teofrasto tirada dos seus contextos éticos no seu Caracteres).
6. A abordagem histórica da filosofia não é completamente desconhecida para Platão; no mínimo dá uma panorâmica retrospectiva do decurso da especulação pré-socrática (Soph. 242b-249d; ver eidos), e alguns dos diálogos centrais tomam o aspecto de discussão dialética, não como algo representativo da communis opinio, mas como divagações dramáticas duma geração mais próxima de filósofos sofistas (e. g. Parmênides, Protágoras, Górgias). A diferença na atitude aristotélica é expressa no já citado texto da Metafísica (993a-b): a filosofia é cumulativa, evolutiva e progressiva. As linhas mestras de Platão podem ser históricas, mas não há qualquer prova de um conceito de filosofia como parte de uma história social do homem; na verdade as implicações da teoria da anamnesis são que cada homem deve emergir da Caverna; neste ponto de vista não há progresso na criação da humanidade.
7. As perspectivas históricas de Aristóteles aparecem cedo; os fragmentos (v. g. 3, 6, 7) do Livro I do primeiro diálogo Sobre a Filosofia mostram Aristóteles perseguindo a evolução da sophia num contexto ainda mais lato do que o da Metafísica. Aqui tem perante si um panorama histórico que abarca não só os sábios gregos do passado mas também um campo mais vasto que tem em conta não só a busca religioso-mítica da verdade (ver mythos, aporia), mas igualmente a sabedoria do Oriente; em suma, uma tradição que começa com os Egípcios, passa por Zoroastro e atinge o clímax em Platão.
8. A natureza fragmentária do diálogo não permite muita especulação acerca dos métodos aí empregados, mas há provas evidentes da utilização que Aristóteles faz dos seus predecessores nos tratados que chegaram até nós. O Livro I da Metafísica inclui uma panorâmica (983b-988a) das opiniões anteriores sobre a causalidade; A Física I faz uma recapitulação semelhante (184b-189b) das archai. O De anima apresenta uma história das especulações sobre a natureza da alma (403b-411b) e o De gen. et corr. sobre a natureza da gênesis (314a-317a). Cada um destes passos tem a sua própria força. Por vezes, como no passo da Metafísica, as endoxa fornecem uma confirmação da própria teorização de Aristóteles; ou ainda como no De anima, elas iniciam e limitam os termos do problema, cuja solução começará de novo no Livro II (ver 403b). Mas em cada caso as posições dos outros filósofos são apresentadas sob um ponto de vista mais problemático do que histórico e, além disso, são sujeitas a uma crítica mais ou menos pormenorizada, ainda sob o ponto de vista problemático. Assim a recapitulação na Metafísica I, caps. 3-6 é seguida, nos caps. 8-10, por uma crítica de especulação prévia.
9. A apresentação e a crítica que Aristóteles faz da obra dos seus antecessores, e particularmente de Platão, têm sido muito criticadas (ver agrapha dogmata). O problema parece surgir do fato de que, enquanto Aristóteles tinha um ponto de vista que lhe permitia ou mesmo lhe exigia que incorporasse a história anterior da busca da sophia nas suas próprias investigações, esta abordagem foi estritamente processual, dado que viu a história só como aporia ou lysis, o que obstou a que prestasse a devida justiça à realidade histórica da obra dos seus antecessores.
10. No período que se segue a Teofrasto tornam-se visíveis mais dois desenvolvimentos. Primeiro, o conjunto das endoxa que em Aristóteles serve para delinear a natureza evolutiva do perguntar filosófico volta-se para novos fins. O esforço acentuado do cepticismo, que formulou poderosamente os problemas e métodos do pensamento pós-aristotélico até aos princípios da era cristã, encontrou uma nova aplicação da técnica doxográfica, empregando-a agora, de uma maneira completamente oposta ao uso aristotélico, para reforçar, em bases históricas, uma posição de dúvida metódica. Como pode ser, perguntam eles, termos qualquer garantia de certeza quando os grandes filósofos do passado eram tão contraditórios nas questões básicas da filosofia? São citados capítulos e versos e o efeito cumulativo é persuadir o leitor de que o único caminho racional é uma suspensão céptica do juízo (epoche; ver Cícero, Acad. pr. 48, 148 e Sexto Empírico, Pyrrh. I, 36-38). É este, por exemplo, o claro objetivo da doxografia em Cícero, Acad. pr. 36, 116-47, 146, herdado, sem dúvida, de algum antigo professor da Nova Academia céptica.
11. A Nova Academia também tem um papel na historiografia do período. A polêmica da época de Cícero é dominada por uma luta a respeito da ortodoxia das várias escolas. A filosofia passara já para o seu estágio «clássico» e a batalha por um lugar de proteção sob os mantos dos mestres do passado estava no seu auge, batalha em que uma das técnicas favoritas era o escrever —¦ e reescrever — a história da filosofia. As páginas da Acadêmica de Cícero são, de novo, o principal testemunho. Surgem duas concepções, a céptica e a estoica. A primeira vê os pré-socráticos como uma série de protocéticos, atingindo o movimento o clímax na aporta de Sócrates. O dogmatismo de Platão é mais aparente do que real e a Nova Academia desde Arcesilau até Carnéades está na corrente principal do socratismo, tal como os Cirenaicos (Acad. post. 12, 44-46; 23, 72-74, 76). O ponto de vista estoico da história, derivado por Cícero do acadêmico Antíoco mas provavelmente atribuível ao estoico Panécio, tende a não considerar os pré-socráticos e a começar a moderna tradição filosófica com Sócrates cujo alegado cepticismo não foi, em qualquer caso, mais do que ironia. Procede-se então à síncrise da Velha Academia e do Perípato num único sistema que difere em nome mas é fundamentalmente concordante (Acad. post. 4, 15-18). O sistema de Zenão deriva dessa fonte e não é mais do que uma correção do platonismo (ibid, 9, 25; 12, 43), enquanto a Nova Academia de Arcesilau é realmente uma aberração (Acad. pr. 6, 16). É deste modo que o estoicismo médio pode colocar-se na tradição platônica (com efeitos filosóficos visíveis em Possidônio; ver noesis 17 e psyche 29) e Antíoco pode efetuar a sua « restauração » da Velha Academia exaltando as doutrinas estoicas (ver a hábil caracterização de Cícero in Acad. pr. 43, 132). (Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters)