Enéada I, 6, 1: Que espécies de coisas são belas; crítica da definição estoica da beleza.

Capítulo 1: Que espécies de coisas são belas; crítica da definição estoica da beleza.
1-11. Relembrando o Hípias maior e o Banquete.
12-20. Os corpos não são belos por si mesmos, mas por participação (methexis) a uma Forma (eidos).
21-25. Relembrando a tese estoica sobre o belo.
25-30. Consequências absurdas da definição do belo pela proporção (symmetria).
31-49. Contra-exemplos (a): há belezas não compostas (synthesis): a luz do sol, o ouro, o relâmpago, os astros; (b): há realidades proporcionais que são más e feias.
49-50. Anuncio da beleza própria ao Intelecto (noûs).


Tradução para o português de Américo Sommerman
Retirado de “Do Belo, tratado de Plotino

1. O Belo dirige-se sobre tudo à visão, mas também há uma beleza para a audição, como em certas combinações de palavras e na música de toda espécie, pois a melodia e os ritmos são belos. As mentes que se elevam para além do reino dos sentidos encontram uma beleza na conduta de vida: em atos, caracteres, bem como a encontram nas ciências e nas virtudes. Há uma beleza anterior a essa? A inquirição que se segue o mostrará.

O que faz com que a visão vislumbre a beleza do corpo e a audição seja tocada pela beleza dos sons? Por que tudo o que está relacionado à alma é belo? É de um único Princípio que todas as coisas belas tiram sua beleza ou há uma beleza nas coisas corpóreas e outra nas incorpóreas? E o que são essas belezas ou essa beleza? Certas coisas, como as formas materiais, são belas não devido à sua própria substância, mas por participação. Outras são belas em si mesmas, como a virtude. Os mesmos corpos mostram-se ora belos, ora desprovidos de beleza, de modo que o ente do corpo é muito diferente do ente da beleza. Que beleza então é essa que está presente nas formas materiais? Eis a primeira coisa a ser respondida em nosso questionamento.

O que é que atrai o olhar do espectador para os objetos belos e faz com que se alegre com a sua contemplação? Se encontrarmos a causa disso, talvez possamos nos servir dela como uma escada para contemplar as outras belezas. Quase todo mundo afirma que a beleza visível resulta da simetria das partes umas em relação às outras e em relação ao conjunto, dotadas, além disso, de certa beleza de cores. Neste caso, a beleza dos seres e de todas as coisas seria devida à sua simetria e sua proporção. Para aqueles que pensam assim, um ser simples não será belo, mas apenas um ser composto. Ademais, cada parte não terá a beleza em si mesma, mas apenas ao combinar-se com as outras para constituir um conjunto belo. No entanto, se o conjunto é belo, é necessário que as partes também sejam belas, pois uma coisa bela não pode ser constituída de partes feias. Tudo o que ela contém precisa ser belo. Conforme essa opinião, as cores belas e mesmo a luz do Sol, sendo desprovidas de partes e portanto desprovidas de uma bela simetria, seriam desprovidas de beleza. E por que o ouro é belo? E o relâmpago que vemos na noite, o que faz com que ele seja belo? O mesmo pode ser perguntado dos sons, pois se essa opinião estiver correta, a beleza não poderia estar associada a um som simples. No entanto, frequentemente cada um dos sons que fazem parte de uma composição é belo em si mesmo. E quando um rosto, cujas proporções permanecem idênticas, mostra-se às vezes belo, às vezes feio, podemos ter alguma dúvida de que a beleza seja algo mais que a simetria dessas proporções, de que seja dessa outra coisa que o rosto bem proporcionado tire a sua beleza?

Se nos voltarmos para as belas condutas e os belos discursos, poderemos atribuir a causa de sua beleza à simetria. É possível falar de simetria no que diz respeito às condutas nobres, às leis, aos conhecimentos ou às ciências? As teorias ou especulações podem ser simétricas umas em relação às outras? Se é por haver concordância entre elas, também pode haver concordância entre teorias más. A opinião de que a “honestidade é uma espécie de estupidez” harmoniza-se perfeitamente com a opinião de que a “moralidade é uma ingenuidade”. A correspondência e concordância entre ambas é completa.

E se falarmos agora da virtude, que é uma beleza da alma e uma beleza que está realmente acima das mencionadas antes, como dizer que ela é composta de partes simétricas? Embora a alma seja constituída de várias partes, suas virtudes não podem ter a simetria das dimensões e dos números: pois qual padrão de medida pode haver na relação entre as partes da alma? Por fim, conforme essa opinião, no que consistiria a beleza da inteligência que permanece livre em si mesma?