Enéada I, 6, 2: Afinidade entre o papel embelezador da Forma e a atividade da alma

Tradução para o português de Américo Sommerman
Retirado de “Do Belo, tratado de Plotino

2. Caminhemos então em direção à origem e indiquemos o princípio que concede a beleza às coisas materiais. Esse princípio sem dúvida existe. É algo perceptível ao primeiro olhar, algo que a alma reconhece a partir de um antigo conhecimento e, ao reconhecê-lo, acolhe-o e entra em ressonância com ele. Por outro lado, quando recebe a impressão da feiura ela se agita, recusa-a e a repeli como uma coisa discordante que lhe é estranha.

Afirmamos, portanto, que a alma, pela própria verdade de sua natureza, por descender do mais nobre dentre os existentes na hierarquia do Ser, deleita-se ao ver seres do mesmo gênero que ela ou com traços semelhantes aos dela. Quando os vê ela se surpreende, pois eles a remetem a si mesma, fazem com que se lembre de si e do que lhe pertence. Porém, será que há alguma semelhança entre as belezas lá do alto e as deste mundo? Tal semelhança faria com que as duas ordens se assemelhassem, mas o que há em comum entre a beleza lá do alto e a beleza deste mundo?

Toda e qualquer beleza deste mundo advém da comunhão com uma Forma-ideal. Todas as coisas privadas de forma e destinadas a receber uma forma e uma ideia permanecem feias e estranhas ao pensamento divino enquanto não comungarem com um pensamento e uma ideia. E a feiura absoluta consiste nisso. Tudo o que não é dominado por uma ideia e por um pensamento [logos] é algo feio. Porém, quando a Ideia [ou Forma-ideal] se aproxima e ordena, combinando as várias partes das quais um ser é composto, ela as reduz a um todo convergente e, colocando-as de acordo entre si, cria a unidade, uma vez que a Ideia é uma unidade e o que é moldado por ela deve unificar-se, dentro do que é possível a uma coisa composta de muitas partes. Quando algo é conduzido à unidade, a beleza entroniza-se ali e se dá à todas as suas partes e ao conjunto. Porém, quando ela brilha em alguma unidade natural, em algo homogêneo, então dá-se ao conjunto. Eis uma ilustração disso: há a beleza que é conferida a uma casa inteira e a todas as suas partes pelo artífice, e há a beleza que alguma qualidade natural pode conferir a uma simples pedra.

Assim, a beleza das coisa materiais provém de sua comunhão com o pensamento [razão, logos] que emana dos deuses.