Enéada VI,8,4 — Objeção: não é possível conceder a liberdade aos seres inteligíveis

Capítulo 4: Objeção: não é possível conceder a liberdade aos seres inteligíveis; resposta à objeção.
1-4: Retomada da questão da relação entre liberdade e desejo
4-11: Primeira formulação da objeção inspirada do “Tratado do destino” de Alexandre de Afrodisia: como os seres inteligíveis podem ser livres se estão submetidos a sua própria natureza?
11-32: Resposta à objeção: não é necessário separar no ser inteligível o ato e a realidade; o primeiro não pode portanto ser sujeito ao segundo
32-40: A existência que se conforma ao Bem é a existência mais livre

4. — Pode-se se perguntar no entanto como o que advém segundo nosso desejo será uma livre disposição de si, se é verdade que o desejo é levado para o que é exterior e se encontra em estado de falta. Pois é o que é desejado que porta o desejo, mesmo se é levado para o que é bom. Além do mais é, a respeito do intelecto ele mesmo uma dificuldade se apresenta: pode-se sustentar que ele possui a liberdade e a capacidade de fazer o que depende dele, na medida que ele completa o que conforme a sua natureza, se não depende dele de não produzir este ato? Por outro lado, pode-se dizer, de maneira absolutamente justa, que as realidades situadas lá possuem a livre disposição de si, enquanto ela não conhecem a ação? Mas igualmente para as realidades que agem, a necessidade vem do exterior. Pois isto não é sem mobile que elas agirão. Por conseguinte, como a liberdade pode existir, se mesmo as realidades situadas lá se encontram submetidas a sua própria natureza?

— Muito bem, porque falar de servidão, se a gente não se encontra obrigado a seguir alguma outra coisa? Ou ainda, como o que se encontra levado para o bem seria obrigado ao passo que é voluntariamente que aspira ao bem, e que vai para ele em conhecimento de causa? Pois, se a gente se encontra levado para o que não é pom para si, o que é involuntário consiste em se desviar do bem e a se orientar para o que se sofre a obrigação. E o que é cativado, é o que não é mestre de ir para o bem, mas que, do fato da existência de uma realidade mais poderosa, se desvia disto que é bom para ele em sendo submetido a esta outra realidade. É com efeito por esta razão que se condena a servidão: não porque o escravo não possui a faculdade de ir para o mal, mas porque não tem a faculdade de ir para seu bem próprio e que é conduzido para o bem de um outro. A princípio, falar de servidão a sua própria natureza vem a produzir uma dualidade entre o que é cativado e isto ao qual ele é cativado. Mas uma natureza simples, a saber um ato único que não se compartilha entre o que é em potência e o que é em ato, como não seria livre? Não se pode dizer com efeito que ela age segundo sua natureza como se sua realidade fosse distinta de seu ato, sendo dado que lá ser e agir são uma mesma coisa. Logo se seu ato não tem lugar nem por meio de alguma outra coisa, nem depende de outra coisa, como não estaria ela livre? E quando mesmo a expressão «depender de si» não conviria, na medida que isto de que é aqui questão é superior à capacidade de depender de si, mesmo neste caso, esta realidade dependeria dela mesma posto que ela não depende de nada de outro e que nada de outro não é mestre de seu ato. E de fato, nada há que seja mestre de sua realidade, se é verdade que ela é um princípio. E se o intelecto possui um outro princípio, não é exterior a ele, mas está no Bem. Por outro lado, se o intelecto existe segundo o Bem, é com mais razão ainda que ele depende dele mesmo e que é livre; pois se se busca a liberdade e a capacidade de depender de si, é graças ao Bem. Consequentemente se age segundo o Bem, ele dependerá ainda mais dele mesmo. Ele possui de pronto, com efeito, o objeto de seu olhar, para o que é orientado e do qual ele é decorrente, ao mesmo tempo permanecendo nele mesmo, o que é para ele a melhor maneira de ser nele mesmo, se é verdade que é voltado para o Bem.