Capítulo 9: A vida verdadeira é na união com o Uno
1-13. O Uno produz todas as coisas sem ser diminuído de modo algum.
13-24. Unida ao Uno, a alma engendra as virtudes e a beleza.
24-38. A alma ama o Uno de um amor puro que é diferente do amor “vulgar” daqui de baixo.
38-60. Deve-se fugir do mundo daqui de baixo e reencontrar o amor puro que nos permite alcançar até o Uno, para só ser um com ele.
9. Nesta dança, vê-se a fonte da vida, a fonte do intelecto, o princípio disto que é, a causa do bem, a raiz da alma, sem que estas coisas se escoam dele em o diminuindo; pois não é uma massa, ou então as coisas que engendra seriam corruptíveis. De fato, elas são eternas, porque seu princípio permanece no mesmo estado sem se dividir entre as coisas que engendra, mas em conservando sua integralidade. Eis porque estas coisas permanecem no mesmo estado. Por exemplo, se o sol permanece no mesmo estado, a luz também permanece a mesma. Pois não estamos nem apartados nem separados do Uno, mesmo se o corpo, em se insinuando em nós, nos atraia para ele; no entanto, respiramos para permanecer em vida não porque ele nos deu isso e que, em seguida, se retirou, mas porque ele nos fornece sempre isso, tanto tempo quanto será o que é. No entanto, somos mais quando nos inclinamos para ele, e eis aí que está nosso bem-estar. Ao contrário, o fato de estar longe dele implica que estamos sós e que estamos diminuídos. Eis aí também que a alma encontra seu repouso e que ela escapa aos males, pois ela subiu até o lugar que é puro de todo mal. É ainda lá que ela pensa, é aí que ela é impassível e é aí que ela vive verdadeiramente. Pois nossa vida atual, que é uma vida sem deus, não é senão um traço que imita a vida verdadeira, enquanto a vida de lá, é a atividade do intelecto; e esta atividade, em um contato imóvel com ele, engendra os deuses; ela engendra a beleza, ela engendra a justiça, ela engendra a virtude. Com efeito, a alma fecundada pela divindade as concebe, e aí estão seu «princípio» e seu «fim»: o princípio, porque ela vem de lá, o fim porque o bem está lá. E quando ela alcançou lá, ela se torna o que ela é e o que ela era; pois, quando ela é entre as coisas daqui de baixo, é a «queda, a fuga e a perda das asas». O que demonstra que o bem se encontra lá, é o amor que está na natureza da alma. É a razão pela qual Eros é unido às Psyches assim nas pinturas como nos mitos. Pois, cada alma é diferente da divindade mas que ela dele provém, ela o ama necessariamente. E quando ela lá está, ela possui o Eros celeste, enquanto aqui em baixo Eros se torna vulgar; com efeito, lá Afrodite é celeste, enquanto aqui em baixo ela se torna vulgar, como se ela se prostituísse. Toda alma é Afrodite. Sim. é o que ilustra implicitamente a história do nascimento simultâneo de Afrodite e de Eros. Assim, a alma que está em sua disposição natural ama a divindade, a quem ela quer se unir, como um virgem ama de um belo amor um bom pai. Mas quando ela chegou no devir, ela é como enganada por vãs promessas de casamento, e, tendo trocado seu amor contra um outro, mortal este, ela é violentada longe de seu pai. Mas se ela execra de novo as violências daqui de baixo e que delas se purifica em se voltando de novo para seu pai, ela «se enche de alegria». E que aqueles que disto não fizeram a experiência compreendem segundo os amores daqui de baixo o que quer dizer encontrar aquele que se ama no mais alto ponto, e que se deram conta que as coisas que se ama aqui são mortais e incômodas, que são amores de simulacros, e que elas são cambiantes, porque não se trata daquilo que se ama realmente, nem de nosso bem, nem daquilo que buscamos. Em revanche, aquilo que se ama verdadeiramente está lá, e se pode unir a ele, em participando a ele e em o possuindo verdadeiramente, e não em favor de um abraço carnal e exterior. «Quem quer que tenha visto isto que digo», a saber que a alma recebe então uma outra vida, quando se aproxima dele, quando ela aí chega e dele participa; de sorte que, nesta disposição, ela sabe que aquele que procura a vida verdadeira está presente, e que ela não tem mais necessidade de nada. É preciso em revanche abandonar todo o resto, se manter nele somente, em cortando todas as outras coisas que nos cercam, a ponto de nos esforçar de sair daqui de baixo e de não mais suportar estar apegados a qualquer de outro, para a abraçar com a totalidade de nós mesmos, sem que reste nenhuma parte de nós que nos ponha em contato com a divindade. É verdade que desde aqui em baixo pode-se ver o Uno e se ver a si mesmo, na medida que é lícito de ver; a gente se vê a si mesmo iluminado e preenchido de luz inteligível, ou melhor, a gente se vê como a luz ela mesma, pura, sem peso, leve, pois a gente se torna deus, ou melhor, se é deus; a gente é então inflamada, mas se a gente se torna pesada de novo, é como se a gente se apagasse.