érgon: trabalho, feito, produto, função
1. Ergon, o termo vulgar grego para algo feito ou construído, é usado pelos filósofos com um duplo sentido: ou como a atividade de uma coisa ou como o produto dessa atividade. Aristóteles assinala com frequência a distinção (v. g., Ethica Nichomacos I, 1094a) e isso leva-o à questão ulterior e capital nas suas especulações éticas de que algumas atividades têm como sua finalidade (telos) um produto (não necessariamente um «objeto»; um exemplo frequente em Aristóteles é que a saúde é o ergon da medicina), enquanto outras têm como seu telos a própria atividade (ver Eth. Eud. 1219a). Esta é em geral a distinção que Aristóteles faz entre a atividade conhecida como poiesis e a atividade chamada praxis (ver episteme, techne).
2. Esta distinção entre poiesis e praxis, produção e ação, é uma distinção eticamente orientada, mas tem implicações metafísicas que vão muito mais longe. Estas são estabelecidas na Metafísica 1050a onde Aristóteles aperfeiçoa o conceito de ergon transformando-o no de «estar em atividade» (en-ergeia). Este último estado é a finalidade (telos) do ser (neste ponto a energeia está relacionada com en-telecheia (entelechia), «estar em completude»), quer a atividade termine num ergon externo ou não. A única diferença é que na poiesis a energeia está na coisa feita, enquanto a praxis é a atividade daquele que faz. Por isso o movimento existe na coisa movida, mas a visão é uma energeia naquele que vê e a vida uma energeia na alma (comparar a definição de alma em psyche).
3. Esta identificação de telos / ergon / energeia (e, na continuação do mesmo passo, com eidos e ousia) leva a outro e importante significado de ergon como a função ou atividade própria de uma coisa. Preliminar aqui é o uso de ergon, atividade, em oposição às coisas que acontecem a um sujeito (pathemata; ver De anima I, 403a e pathos, paschein). Ambos, erga e pathemata, são importantes do ponto de vista metodológico visto que, juntamente com a dynamis, definem o campo de estudo do physikos ou filósofo natural (De anima I, 403b, De coelo in, 307b; confrontar-com aphairesis). Daí o uso transforma-se gradualmente em atividade própria ou função tanto num sentido físico (ver De gen. anim. 731a) como num sentido ético (Ethica Nichomacos I, 1097b), e mesmo em expressões mais gerais como «a função própria da filosofia» (Physica li, 194b) e «a função da dialética» (Soph. El. 83a-b).
4. Ergon como função desempenha o seu papel na ética de Aristóteles, como tinha acontecido com Platão antes dele. Ambos estão interessados em estabelecer uma norma de comportamento e ambos lançam mão de padrões fenomenológicos, tentando ligar a excelência (arete) com a função (ergon). Platão define esta última como «aquilo que a coisa em questão faz sozinha ou melhor» (Republica 353a) e faz a excelência consistir no poder específico que permite que essa função opere bem. A posição de Aristóteles é um tanto ou quanto diferente. Para ele a arete é um certo e alto nível de realização em relação à função; alto nível que é garantido por não tomar como norma qualquer homem mas antes conferir a função à realização do «homem sério» (spoudaios; Ethica Nichomacos I, 1098a).
5. O que é então o ergon do homem? Para Platão são as atividades que só o homem pode executar: direção, governo, deliberação; e a arete peculiar ao homem que lhe permite realizá-las bem é a dike. Para Aristóteles o ergon do homem é uma «energeia da alma de acordo com o logos», e, uma vez que o bom de uma coisa é descrito em termos da sua função, o bom do homem é esta atividade ao nível da excelência (Ethica Nichomacos 1098a). [Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters]
De etimologia controversa este termo grego está na origem de uma terminologia considerável nas línguas indo-europeias. Ele designa na origem a obra, o produto, mas também o trabalho e a função. Ergon pode com efeito exprimir também o resultado de um atividade ou de um trabalho assim como a característica própria desta atividade ou sua função (Aristóteles Ética a Nicômaco I 1, 1094a). Este traço permite a Aristóteles de distinguir as atividades que têm um produto no exterior delas mesmas como seu fim, daquela que disto não têm (vide praxis, poiesis). Em Metafísica 108, 1050a21, Aristóteles identifica a função, o fim (telos e o ato (energeia): são os conceitos que exprimem a realização do ser, sem conclusão, sua entelechia. Todo ser que tem a um ergon existe para este ergon (De Caelo, II 3, 286 a8-9).
Platão deu uma significação ética ao conceito de função própria: aquilo que um ser ou uma parte da alma cumpre melhor (República I, 353a), abrindo assim a via à determinação da excelência correspondente (arete). Platão e Aristóteles estabeleceram, no quadro da ética, a questão do ergon próprio do homem: Platão o identificava à reflexão e à deliberação, cuja virtude particular é a justiça, enquanto Aristóteles falou de uma energeia da alma conforme ao logos (Ética a Nicômaco 16, 1098a). [Notions philosophiques]