MITOLOGIA — EROS E PSIQUE
CAPÍTULO 6
O bem-amado deus, lá das alturas, não abandonou a amada, voando até a ponta de um cipreste, de onde, comovido, proferiu as seguintes palavras, destinadas à Psique:
— Na verdade, minha ingênua Psique, sem seguir as prescrições da minha mãe Vênus, que me ordenou que te acorrentasse a uma união com o mais pavoroso dos monstros e que te fizesse gozar das paixões mais inferiores de um casamento, preferi aproximar-me de ti como teu amado. Fiz isso por pura leviandade, pois fui atingido pela minha própria flecha e te tornei minha esposa, de tal forma — pensa nisso — que te pareci ser um monstro a quem pretendias cortar a cabeça com um punhal, a mim, teu amante que te contempla com estes olhos! Quantas vezes não te adverti acerca do perigo iminente, quantas vezes não te repreendi com delicadeza! No entanto, aquelas tuas ilustres conselheiras logo receberão o castigo que merecem por suas pérfidas lições; o teu castigo, Psique, no entanto, será a minha ausência.
E, tendo dito isto, Eros subiu às alturas celestiais com um rápido adejar de asas.
Psique, todavia, deitada ao solo, ainda tentou ver as asas do marido, lamentando-se em altas vozes e dizendo do desgosto e arrependimento da sua alma. Mas tão logo o ruído do adejar de asas desapareceu do aposento nupcial, fora de si, desejou morrer e lançou-se de cabeça nas águas de um rio próximo. No entanto, as próprias águas mansas do rio — para homenagear o deus, bem como por medo, visto que ele sabia até mesmo como incendiá-las com seu fogo — repuseram-na num socalco de terra seca e florida da margem do rio.
Por acaso, Pã, o deus da terra, estava tranquilamente sentado numa ribanceira próxima, com Eco nos braços, ensinando à deusa das montanhas como fazer ecoar uma série de diversos tons. Por perto pastavam suas cabras, revolvendo a grama tenra das margens do rio. Pã, ele mesmo tão parecido com uma cabra, chamou Psique com delicadeza, pois compreendia seus sofrimentos e conhecia sua queda e, acariciando-a, lhe disse com voz apaziguadora:
— Boa menina, eu não passo de um simples camponês pastor de cabras, mas sou sábio graças à minha velhice e um filósofo graças à experiência. Na verdade — e acho que a conclusão a que cheguei e à qual os homens espertos dariam o nome de poder divinatório — está correta, quando deduzo que sofres por excesso de amor, dado os teus passos vacilantes, a palidez da pele do teu corpo, teus constantes soluços e teus olhos tristonhos. Portanto, ouve o meu conselho tão simples: não tentes matar-te outra vez, quer por este quer por outros meios. Deixa de te lamentar e desiste da morte. Dirige-te de preferência a Eros, o mais poderoso dos deuses, e conquista-o com tua delicada submissão, pois ele é um adolescente meigo e suave.
Depois de o deus-pastor ter dito isto, sem receber resposta, pois Psique limitou-se a inclinar-se diante da divindade salvadora, ela partiu. Após longa caminhada com passos lentos e pesados, depois de passar por diversos caminhos, chegou, sem saber como, a uma cidade dominada pelo marido de uma de suas irmãs. Já se iniciava o dia e, ao descobrir o fato, Psique pede que anunciem sua chegada à irmã; imediatamente foi conduzida até sua casa e depois dos costumeiros abraços e das mútuas saudações, Psique começou a contar o motivo da sua vinda, graças à insistência da irmã, da seguinte maneira:
— Lembras-te do plano que forjaste, no qual me aconselhaste a matar o monstro com um punhal de dois gumes antes que ele, que se fazia passar por meu marido, me engolisse ou esmagasse com seus braços envolventes? Mas, ao ver suas feições à luz do candeeiro, tive uma visão maravilhosa e divina, pois quem estava deitado ali era o próprio filho de Vênus — digo-te que era o próprio Cupido adormecido. No entanto, quando, deslumbrada pela visão de uma dádiva tão preciosa e completamente perturbada por variadas emoções, quis aproveitar para observá-lo mais de perto, é claro que por um acaso cruel, uma gota de óleo fervente do candeeiro pingou em seu ombro. Despertando em seguida devido à dor, e ao me ver empunhando o punhal e segurando a lâmpada, disse:
— Afasta-te imediatamente do meu tálamo e recebe o castigo pela tua má ação; eu, por minha vez, me unirei à tua irmã — e mencionou o nome pelo qual és conhecida -, farei um casamento legítimo e ela será minha mulher. Mal acabou de falar, ordenou ao Zéfiro que me transportasse para longe dos limites do castelo.
Assim que Psique acabou sua narrativa, sem mais delongas, alucinada de paixão e de criminosa inveja, a irmã inventou um pretexto para fugir ao marido — disse que seus pais estavam à morte — e viajou imediatamente para o rochedo fatídico; e, embora fosse diferente o vento que soprava, ela invocou Cupido e Zéfiro que a recebessem como sua senhora, lançando-se no abismo. Nem como cadáver chegou ao palácio, pois se despedaçou nas pontas da rocha e suas vísceras se espalharam pela encosta, pasto para as aves de rapina e os animais selvagens.
O castigo da segunda irmã também não tardou. Pois Psique viajou com passos incertos, atravessando vários caminhos até chegar à cidade onde ela morava. Usando da mesma artimanha, contou-lhe uma história semelhante à que contara à primeira das irmãs. Também a segunda apressou-se a ir ter ao rochedo, onde a aguardava sina idêntica.