Contudo, voltemos a More. A maior precisão por ele obtida na determinação do conceito de espírito levou necessariamente a uma discriminação mais rigorosa entre sua extensão e o espaço em que, como todas as outras coisas, ele se acha. Ora, na extensão divina e material que More contrapunha à extensão material de Descartes, esses conceitos se achavam mais ou menos fundidos. A partir de agora, o espaço ou a pura extensão imaterial será distinguido do “espírito da natureza que o penetra e enche, que age sobre a matéria e produz os supra-mencionados efeitos não mecânicos, uma entidade que na escala de perfeição dos seres espirituais ocupa o grau mais ínfimo. Esse espírito da natureza é
Uma Substância incorpórea, mas desprovida de sentidos ou consciência, que penetra toda a matéria do Universo, exerce nela um poder plástico, conforme as diversas predisposições e circunstâncias das partes que afeta, e que determina a direção das partes da matéria, assim como seus movimentos, produzindo no mundo os Fenômenos que não podem ser reduzidos a simples poder mecânico.
Entre esses fenômenos que não podem ser explicados por forças puramente mecânicas, e que Henry More conhece em grande número, inclusive as terapêuticas por simpatia e a ressonância simpática das cordas vibrantes (More, é escusado dizer, é físico medíocre), o mais importante é a gravidade. Acompanhando Descartes, ele já não a considera uma propriedade essencial do corpo, ou mesmo como ainda fazia Galileu, uma tendência inexplicável, mas real, da matéria. More não aceita — e nisso está certo — nem a explicação de Descartes nem a de Hobbes. A gravidade não pode ser explicada apenas pela mecânica, e portanto, se não houvesse no mundo forças não mecânicas, os corpos soltos na superfície da Terra em movimento voariam e se perderiam no espaço. O fato de isso não acontecer constitui prova da existência na natureza de um fator “mais que mecânico”, “espiritual”.
Consequentemente, More escreve no prefácio de A Imortalidade da alma:
Não só refutei suas [de Descartes e de Hobbes] Razões, como também, partindo de princípios Mecânicos admitidos por toda gente e confirmados pela Experiência, demonstrei que o Descenso [queda] de uma pedra ou projétil, ou de qualquer Corpo pesado semelhante, é enormemente contrário às leis da Mecânica. E que segundo essas leis, necessariamente, se estivessem soltos [esses corpos] separar-se-iam da Terra e seriam levados para longe de nossa vista, nas partes mais distantes do Ar, se alguma Força mais que Mecânica não impedisse aquele Movimento e não os forçasse para baixo, em direção à Terra. Está claro assim que não introduzimos arbitrariamente um Princípio, mas que ele nos é imposto pela evidência irrefutável da Demonstração.
Na verdade, o Antídoto contra o ateísmo já havia assinalado que pedras e projéteis arremessados para o alto voltam à Terra — o que, segundo as leis do movimento, não deveria acontecer, pois
… se considerarmos mais particularmente quão forte é a tendência de se afastar da superfície da Terra que (de conformidade com a primeira lei do movimento Mecânico persistindo em linha reta) possui necessariamente um Projétil maciço, de chumbo ou de bronze, estando o Projétil animado de um Movimento tão rápido que percorreria quinze Milhas em um Minuto de uma Hora, deve-nos parecer que um Poder maravilhoso é necessário para curvá-lo, regulá-lo, trazê-lo de volta à Terra e mantê-lo aí, não obstante a forte Relutância dessa primeira lei Mecânica da Matéria, que o inclinaria a se afastar.
Por aí se manifesta não só o maravilhoso Poder da Unidade na Indiscerpibilidade no Espírito da Natureza, mas também a existência de uma Execução peremptória e mesmo violenta de um Conselho [plano] eterno e que abrange tudo, que tende a Ordenar e Guiar o Movimento da Matéria no Universo para o que é Melhor. E esse fenômeno da Gravidade é de tão boa e necessária consequência que sem ele não poderia haver nem Terra nem Habitantes, no Estado em que existem.
Com efeito, sem a ação de um princípio não mecânico, toda a matéria do universo se dividiria e se dispersaria; não haveria sequer corpos, pois não haveria nada que garantisse a coesão das partículas últimas que os compõem. E, naturalmente, não haveria nenhum traço daquela organização teleológica que se manifesta não só nas plantas, nos animais etc, mas até mesmo na própria ordem de nosso sistema solar. Tudo isso é obra do espírito da natureza, que age como instrumento, inconsciente, da vontade divina.