Eudoro de Sousa: Empédocles

60. Parmênides teria sido o primeiro pluralista, se o seu dualismo fosse o da realidade, e não o da aparência — da aparência, pura e simples, ou da aparência da realidade: o dualismo da Luz e da Noite é questão de nomos («convenção»), e não de physis («natureza»), Empédocles institui o pluralismo na realidade, na medida em que cada um dos seus quatro elementos se determina como idêntico a si mesmo e não idêntico a qualquer dos outros: é a definição parmenídea dos contrários, cada um deles, com uma determinação do Ser — a identidade (frg. 3, 54-59). Quer dizer, a unicidade do Ser é substituída pela pluralidade dos elementos, mas a unidade mantém-se, quanto à estrutura dos mesmos elementos. É clara e está perfeitamente esclarecida a intenção de Empédocles: desincompatibilizar a imobilidade (invariância) do Ser com a mobilidade (variância) da aparência; para além de Parmênides, o filósofo de Agrigento procura, no monismo «físico» dos filósofos de Mileto, o trânsito do princípio para o principado. O Esfero tem algo do Ser de Parmênides e do Ápeiron de Anaximandro: é perfeitamente indiferenciado: (pámpan ápeiron, frg. 28, 1). Mas aqui cessam todas as analogias. No Esfero, indiferenciada a mistura dos quatro elementos, tem início um processo de diferenciação, que resulta na diferenciada estrutura do mundo, tal como ele se nos apresenta. A força do Ódio, da mistura separando os elementos, cada um para seu lado, forma as quatro massas cósmicas (cosmogonia), enquanto a força do Amor, de novo mistura os elementos, para formar os seres vivos que habitam o mundo (zoogonia). Deixamos em aberto a questão de saber se o processo é cíclico e, portanto, se o fim se reúne ao princípio, restabelecendo-se o Esfero-Indiferenciado. O que mais importa acentuar é que Empédocles propõe uma Indiferença primordial, embora esta, agora (e só agora) seja a da mistura dos elementos, e sujeita a uma variância que não cabia nem no Ápeiron de Anaximandro, nem ao Ser de Parmênides. E se perguntássemos com que fim ele atribuiu a cada elemento uma das determinações do Ser — a identidade inalterável através de todo o processo cosmogônico e zoogônico — a resposta, mais uma vez, acena para o mesmo ponto de onde arranca o pensamento existencial de Parmênides: «Loucos! Longe não vão seus pensamentos, desses que creem possa nascer algo que antes não era, ou que alguma coisa de todo possa destruir-se ou morrer!» (Emp., frg. 11.) A cifra cosmogônica e a cifra escatológica continuam emparelhadas, mesmo no poema «físico». Que se trata ainda de uma codificação do mistério do horizonte, é o que se verifica no poema «catártico». (Eudoro de Sousa, “Horizonte e Complementaridade”)

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