Teologia Platônica

Segundo Raymond Marcel (1964), esta obra de Ficino pode ser considerada como a principal em sua bibliografia. O pensamento de Ficino em toda sua obra, e em especial nesta, oscila entre dois polos: Deus e a alma; e quem quer que aborde sua obra não deve jamais esquecer que sua única preocupação foi de buscar e de provar que o mundo e a vida não têm sentido senão na medida em que a alma permanece unida a Deus, seu princípio e seu fim.

A Teologia Platônica tem por subtítulo “Da Imortalidade das Almas”. Partindo da mensagem socrática, Ficino va fazer do “conhece-te a ti mesmo” o ponto de partida de uma metafísica, cuja única meta era demonstrar que a imortalidade das almas se impunha. Tudo nela o exige: sua essência, seu poder, suas prerrogativas e sobretudo seu destino, pois não se deve esquecer quando se estuda Ficino que seu principal objetivo foi não fundar uma nova filosofia, mas substituir piedosas e edificantes apologias do Cristianismo por uma apologética sábia, da qual o Humanismo podia se vangloriar de fornecer as bases em aportando à fé cristã novos testemunhos e sólidos argumentos.

A meta específica da Teologia Platônica, segundo Marcel (1964), é de conduzir “muitos espíritos depravados, que não se inclinam voluntariamente diante da única autoridade da Lei divina, a se submeter pelo menos aos raciocínios platônicos que apoiam solidamente a religião”. Podemos nos indagar porque ele fez da alma o centro desta Teologia. As razões são, no entanto, claras. A princípio porque este problema foi por todos os humanistas italianos o problema por excelência e em seguida porque Ficino, afastando deliberadamente os problemas de metafísica pura que haviam apaixonado a Idade Média, quis demonstrar que a partir do “Conhece-te a ti mesmo” pode-se chegar ao conhecimento de Deus, a “divindade da alma e o amor de Deus sendo, diz ele, as verdades nas quais se resumem todo conhecimento, toda moral e toda a felicidade.

Para que apareça nitidamente, diz ele, como em particular as almas humanas se tornam capazes de reverter as barreiras mortais, apreender sua imortalidade e alcançar a beatitude, nos esforçaremos, na medida de nossas forças de demonstrar neste tratado:

– que além da massa preguiçosa dos corpos há uma qualidade eficaz e um poder…

– que acima da qualidade, que está submetida à divisão e à mudança, existe uma forma mais excelente que tudo em sendo de algum modo submetida à mudança não admite no entanto ser dividida em um corpo…

– que acima desta forma, cujos Antigos Teólogos fizeram a sede da alma racional, há o espírito angélico, que é não somente indivisível, mas imutável…

– que, enfim, ao olho deste espírito angélico que deseja a luz da Verdade e a recebe, é superior o Sol divino para o qual nosso Platão nos ordena, nos ensina e nos pressiona a voltar a ponta purificada de nosso espírito.

FICINO, M. Théologie platonicienne de l’immortalité des âmes: Livres I-VIII. Tradução: Raymond Marcel. Paris: Les Belles Lettres, 1964.