Filebo 33c-34c — Sensação e Memória

XIX – Sócrates – A outra classe de prazeres que atribuímos exclusivamente à alma, só provem da memória.

Protarco – Como assim?

Sócrates – Ao que parece primeiro precisaremos saber o que seja memória, ou mesmo, antes dela, o que é sensação, se quisermos elucidar de uma vez para sempre essa questão.

Protarco – Como disseste?

Sócrates – Admite que de todas as afecções a que nosso corpo está sujeito, algumas se extinguem do nosso corpo está sujeito, algumas se extinguem no próprio corpo antes de alcançar a alma, deixando-a impossível, enquanto outras atravessam o corpo e a alma, causando-lhe abalo a um tempo comum ambos e peculiar a cada um.

Protarco – Já admiti.

Sócrates – E se dissermos que as que não passam pelos dois escapam a nossa alma, como não lhe escapam as que passam, falaremos com bastante propriedade.

Protarco – Como não?

Sócrates – Contudo, quando digo que não passa, não interpretes a expressão como se eu falasse do nascimento do olvido. O esquecimento é parada da memória. Ora, no presente caso a memória ainda não nasceu. É mais do que absurdo falar de perda do que não existe e ainda não nasceu. Não é isso mesmo?

Protarco –Sem dúvida.

Sócrates – Então, bastará trocares os nomes.

Protarco – De que jeito?

Sócrates – Em vez de dizer, quando algo escapa à alma, que esta fica insensível aos abalos do corpo, será preferível dar o nome de insensibilidade ao que denominamos esquecimento.

Protarco – Compreendo.

Sócrates – Mas quando o corpo e a alma são afetados pelo mesmo agente e se movem a um só tempo, se deres o nome de sensação a esse movimento, não terás falado fora de propósito.

Protarco – Só dizes a verdade.

Sócrates – Ficamos agora sabendo o que entendemos por sensação.

Protarco – Sem dúvida.

Sócrates – A esse modo, quando dissemos que a memória era a conservação da sensação, pelo menos na minha maneira de pensar falamos com muito acerto.

Protarco – Sem dúvida.

Sócrates – E também não dissemos que a reminiscência difere da memória?

Protarco – Talvez.

Sócrates – Neste particular, porventura?

Protarco – Como será?

Sócrates – Quando a alma recebe alguma impressão juntamente com o corpo, e depois, sozinha em si mesma, recupera-a tanto quanto possível, a isso é que damos nome de reminiscência, não é verdade?

Protarco – Perfeitamente.

Sócrates – E também quando perde a lembrança, seja de sensação, seja de algum conhecimento, e ela a recupera também só e em si mesma, a tudo isso também damos o nome de reminiscência.

Protarco – Falas com muito acerto.